Donnerstag, Dezember 30, 2010

O Ritual do Eterno III

"- Ela era piedosa, mas - quem pode saber? - o coração alheio é floresta espessa!"
[ "A dama do cachorrinho e outros contos" - Tchekhov].




A vida sempre lhe fora engraçada, sempre corria para longe dela e agora, veja bem!, crescia dentro dela. Não houve expectativas desde o começo, tudo o mais mecânico possível; como naquele dia da igreja: fazer o que tem que ser feito por pior que se possa fazer ou não fazer. Papai morreu assim. Saiu mais uma vez para sua branquinha, os pés já podres e quando se viu não sabiam nem como iam enterrá-lo. Mamãe ficaria muito sentida se visse.
O ventre de uma brancura pura esticando a cada dia que esgotava, os cigarros rareando, o álcool desaparecido. Era preciso conversar sério com a vida dessa vez, um começo dela estava por vir, era preciso ajuda. Num daqueles finais de tardes demasiadamente ensolarados ele a viu: vestido florido comprido deixando óbvia a barriga, secando o suor do rostinho branco - agora ainda mais angelical -, tentou fingir estar observando a vitrine, mas logo ela o viu com uma expressão de desespero, como se pedisse perdão pelo ventre inchado.

- Eu sinto muito.
- Está tudo bem agora, querido. Preocupa não.

Sinal de afirmativo com a cabeça. Para a paternidade, para saber se estava tudo bem, se morava no mesmo lugar. Custava-lhe muito fazer o choro, a indignação presos na garganta descerem, caminhar sozinha todo aquele tempo lhe pareceu fácil, mas ver diante dos olhos o quanto tudo custou tão caro, o quão uma mão, um abraço, um eu te amo seriam bem melhores do que aqueles muros de silêncio fizeram falta pesava no coração. Daí veio o medo, sensações ruins e adjacências; era uma dor mas era um presente tê-lo lá. Ele sempre com seu rancor nos bolsos, talvez por isso sempre andasse com as mãos nos bolsos -, pronto para inundar o mundo com a sua dor milimetricamente articulada para ser vivida. Era a única pessoa que usava a dor para viver e não como conseqüência de algo. E o seu ventre, assim, tão grande e tão frágil ao mesmo tempo pedia socorro e pedia pelo pai em um mesmo segundo. Já não havia mais o que fazer: a mesma mão que vivia imersa no bolso cheio de rancor agora acariciava aquela barriga envolta em pano florido.

- Eu amo você e o nosso pequeno.

Agora o beijo nos lábios que antes tinham um leve aroma de tabaco tem aroma de chá de flores. Abraço delicado para não machucar o nenê. Ele não fazia idéia do que ia fazer com o aro dourado em seu dedo; também não o preocupava muito. Estava envolvido por uma emoção flutuante de que todas as coisas são pintadas com cores leves e um pouco borradas para dar a impressão de continuidade. Era preciso tomar decisões, era preciso cuidar. Era preciso deixar o papel de pernas andantes que sempre vão embora orgulhosas e ficar. E talvez nunca mais expremer coração alheio para dar cor aos rancores.

Sonntag, Dezember 05, 2010

Ah, não vá de novo!

"Eu te preciso. Perto, longe, tanto faz. Preciso saber que tu está bem, se respira, se comeu ou tomou banho -com o calor que está fazendo neste verão, tome pelo menos uns três ao dia, e pense em mim, estou com calor também. Me faz bem pensar nessas atividades corriqueiras, que supostamente você está fazendo. Ah, e eu estou te esperando, com meu vestido curto, óculos escuros grandes e meu coração pulsando forte, e te abraçar até sentir o mundo girar apenas para nós. É, eu gosto muito de ti."

C. F. Abreu





Querido;

Até no meu egoísmo mais infinito quero você mais feliz do que eu mesma. Se cuida, eu lá queria muita coisa imensa para ti, mas vejo pequenez e aposto no que te levar para longe do meu fantasma. Boa sorte, um abraço enorme.


P.S.: Obrigada por me ensinar a amar.

Samstag, November 06, 2010

Maledicência

"Eu sei, eu sei, eu sei. Só que eu não aguento mais ninguém indo embora."

C. F. Abreu


Lamentar por você morto foi o escape melhor para todos. Você vivo, imerso na própria desgraça que fluía para nós não nos despertava qualquer sentimento nobre. Fácil agora fazer uma matemática ignominiosa, a conta de uma vida criteriosamente errante subtraída por uma morte trágica. Penso que de trágica não há nada, tragédia é só para os bons e você, assim, tão enlameado de pecados-vícios se assemelha mais a um justamente morto, o que saiu com um rifle pela vida caçando a própria morte. Para mim o caso ainda é elevado a um outro patamar: você, nos momentos salubres; você, descalço e doente; você, engatinhando na vida adulta; você, retirando pétala por pétala até sobrar um galho seco.
Hoje vejo árvores imensas com apenas poucos pontinhos brancos de flores e concluo que a vida é isso; não somos flores e nascemos folhas, olhantes das flores, secamos rápido e nem nascemos belos. O verde, mesmo colorido, será sempre o verde-árvore e permanecerá esquecido, deixado, sem exalar aroma ou se deixar penetrar pelo olfato alheio. Só conseguimos sentir os pés e, clack!, uma folha amarelada. Conhecemos a vida bem demais para um ser humano, porque sempre andamos pedindo licença para a morte, "quero passar". E no âmbito de extrair tudo, olhar tudo, sentir tudo, acabamos por trazer o que há de pior na existência; e nos tornamos piores, e reconhecemos um ao outro com uma tristeza profunda.
E isso me dói de uma maneira que passa longe da tristeza de tanto doer, é como perder alguém tão querido e sofrer tanto que não há nome. Meu sofrimento com o você nunca mais ainda não tem registro em qualquer léxico. Como o verbo oîda em grego, eu não vi mas basta porque sei; e é de um saber dolorido, da maldade de não ter o que fazer e buscar meios, perguntar para Deus e para os anjos se é possível esfarelar o livre-arbítrio e criar uma amplitude justa. Nunca houve. A morte desmistificada, fácil, sem significação: uma morte desamparada.

Freitag, Oktober 29, 2010

Do sol lá fora

"Dort bin ich ihm und ist er mir so nah, wie ich mir selbst es nie sein werde."
[Ausflug mit dem Zerberus - Mirko Bonné]


Da minha murchidão que virou hedionda e absurda dentro de mim mesma e de me reconhecer em qualquer situação. Sinto saudades. Abraços apertados e tudo o que um ser humano tem direito, calando os anos sem. Precisando de. Lacunas não são a minha especialidade, já que havia alguém não para preenchê-las mas para fazê-las para mim. Até nisso eu era dependente de ti, das brigas que ferem às lacunas que com tanto gosto eu não preenchia. Talvez só preenchesse você e muito mal preenchido. E no meu vazio eu nunca te encontrava; perdão. Substituo Zerberus por Mike, diabetes por ódio e ainda não suporto o sol lá fora, como você, muitas vezes. Ele me atrapalha a ter minhas memórias sobre você, sua brancura, seu nariz imenso, seu recato me fazem lembrar algo mais longe, mais distante, mas que dá para se tocar com a ponta dos dedos. Sempre foi assim, eu te tocava com as pontas de meus dedos e você sempre se afastando, e o não-ser doía tanto que eu simplesmente não sentia. Entende agora? Eu sempre senti muitíssimo e você nunca o soube. Você sempre viveu aqui dentro de mim; e era uma vida linda, e mesmo eu sempre estando toda remendada por torturas as quais eu mesma me sujeito eu sempre era o seu 'botãozinho'. Equivalente ao meu sofrimento você foi morrendo em mim, parou de crescer, parou de falar, eu não pude continuar regando nosso amor com os seus rosnados. A gente não pode trocar o engatinhar pela vida pelo rancor só porque ele prometeu nos fazer correr. Você aguardava, eu também. Mais ainda: compartilhava tchê.

Montag, Oktober 18, 2010

Rasgando a manhã seguinte

Eu tenho sofrido muito feio, e todas as tentativas torcidas e foscas de pedaços do meu próprio passado sofredor bonito metamorfosearam em fracasso certo. Doer para que ninguém possa ver dor, apenas ódio. Odiar querendo doer. Doer-odiando e estender-fechar os braços só para as palmas das mãos tocarem os pulmões e alguma realidade penetrá-los além do câncer transfigurado em um cigarro. Puxar amanhãs, como se os pés estivessem varrendo um gramado e no lugar do câncer há uma pipa, voando alto pelos ventos. Linda. Ao horizonte.

Freitag, Oktober 15, 2010

Murchando

"And I have to dry my eyes."

[Morrissey - Boxers]



Pela primeira vez o título é totalmente compatível com o texto, porque acordei assim: murcha, caindo. Me imaginei flor e senti pétala por pétala caindo até sobrar um caule seco, magro, doente. E não é algo grandioso porque isso é lugar-comum desde que me chamo Ana e sinto muito por isso, talvez buscar outros nomes me dariam menos leveza e mais maldade, insubordinação, para que tudo corresse bem. Mas não, fica tudo assim num colorido completo que não me adianta de nada, já que estou desbotada, uma mistura de cores sinistra que de arte passa a horror-Dalí. É tudo tão feio nessa cidade que só de caminhar por qualquer calçada que seja meu estômago revira e minhas pupilas são queimadas por esse sol que aqui se torna desprezível. Aliás, qualquer coisa aqui é notificado de repúdio, aversão, sofrimento. Tudo faz sofrer. Do ambiente natural à rua desconhecida: tudo é triste. Porque não há alma viva que não faça de sua própria existência um carma para si e para outrem. É tudo um grande carma. Tenta-se sorrir e o sorriso é rejeitado pelo seu próprio organismo e assim até sorrir se torna orgânico-mecânico. E a cidade se esqueceu de Deus. E ele chora ofendido num dar de ombros.

Samstag, Oktober 09, 2010

Inerciando

Que fique claro que não estou cansada ou solitária, mas a paciência com a vida se esgotou tanto que só falo não-tudo-bem, sento e espero. Talvez acabe assim, tique-taque, olhar no relógio, encher as bochechas de ar e soltá-lo bufante. O único alívio é que toda a tentativa de sugar da vida de uma maneira muito descortês já é hipótese descartada. Sinto cheiro de tecla pause no ar. E acho engraçado todo mundo se afetar arduamente achando que sempre vai ser meu objetivo final: o objetivo é sempre machucar a vida -a propósito, a minha -, manter eternamente minhas pequenas mãos envolta de seu pescoço, apertar apertar, acabar por deitar do lado, pedir desculpas. E falamos mal da felicidade até ela ficar ressentida com a gente, e vai embora e promete nunca mais voltar. boba, voltaqui!

Sonntag, September 26, 2010

Para lembrar

Tirado preciosamente do blog da Ly:

"Qualquer caminho para fora do meu apartamento guia a um erro incomensurável."

Mittwoch, September 15, 2010

Yes, we can talk about it now

Seus olhos são simplesmente os mais glaucos que já vi. Faço até esforço vivendo depois de acordar só por causa deles. Alegria simples de ser absurdamente feliz tendo um caráter de natureza triste.

No, we can't talk about it now

Um despertar singular o de hoje. Cabelos castanho claros espalhados pelos ombros, pelas costas; o sol lutando para abrir uma brecha no nublado de começo de dia e um sono interrompido que não foi interrompido, foi se extinguindo até o corpo se dar conta que estava satisfeito. Nada de aula de francês hoje, desculpa fenomenal de que eu sei que o faire fica faisiez na terceira do L'imparfait de l'indicatif e assisti tv, como se o dia nunca fosse ultrapassar as 8 horas da manhã, como se nem ao menos houvesse mundo.
Ficou ressoando por aqui o refrão da música do Death Cab, "you're beautiful but you don't mean a thing to me"; como se a música tivesse sido feita para a própria vida em si. Tratar a vida como um ser humano tem me causado problemas, e sim vida você é linda mas nunca consegue significar muito para mim, ao menos não por muito tempo. E eu sei bem dessa beleza que enche nossos olhos e põe nossos braços em formato de arcos, abertos, imensos e prontos para se fecharem no que quer que seja o tamanho. Nossos braços sempre serão cômodos para todas as coisas existentes, daí a preocupação do Calvino -ler abaixo do título do blog -. Pena que eles desintegram antes das coisas, então somos aleijados, cruzando o dedo dos pés para que a 8 horas da manhã não se prolongue.

Sonntag, September 12, 2010

Desmistificando Werther

A obra de Goethe guiada pelo Romantismo alemão e da tendência Sturm und Drang apresenta erros graves seguidos do sentimentalismo e sensibilidade randômicos. Werther apresenta-se como figura carismática em explosões de emoções, daí a grande recepção livro-personagem. Entretanto, pelas atitudes falhas ao longo do livro vê-se claramente a sua personalidade mesquinha e muitas vezes medíocre.
Começando pela relação de Werther com os nobres e bem-sucedidos, há o menosprezo do personagem contido no fato puro e simples dos nobres ignorarem a sua presença e avaliarem a sua conduta como exagerada. Ora essa, nobres e burgueses não se misturavam na época pelos primeiros acharem o manejo com dinheiro sujo, coisa incompreensível atualmente mas um costume na época. Assim, Werther se dedicava a pessoas de origem mais humilde acrescentando ao caráter dessas adjetivos exaltivos, maravilhosos. A mesma relação da fábula de La Fontaine, em que a raposa desdenha das uvas. Ele é como a continuação da fábula, no caso a raposa cospe nas uvas e cata "gravetos saborosíssimos" para se alimentar.
O estopim dessa relação chega quando um de seus humildes amigos do vilarejo comete homicídio contra o atual namorado de sua amada. O homem é capturado e Werther adentra a sala defendendo seu amigo com argumentos pífios e infantis, querendo justificar o fato de um inocente ter sido assassinado. Até onde chega o nosso herói: força uma relação com uma mulher comprometida, sabendo de antemão que ela tem um noivo, não obstante ainda se põe - com a desculpa de uma amizade duvidosa - entre Charlotte e o noivo (que posteriormente vira esposo), e ainda defende um assassino por pura e simplesmente este ter cometido um crime passional. Crime é crime. Se até Raskolnikov pagou na Sibéria pelo übermenschianismo de matar a velha usurária, por que teria que ser diferente com um despeitado?
Especificando a parte Werther-Charlotte, a obra toma proporções pateticamente catastróficas. Werther alimenta um amor cismante por Lotte, não é que o amor tenha acontecido, ele que escolheu amá-la. Ela era bela e meiga, como a maioria da população feminina na Alemanha da época; o que ressalto é: o amor nutrido era artificial e só servia para Werther martirizar a si mesmo e alimentar a sua própria afetação para que ele pudesse sentir que era um homem diferente, out of line. Charlotte, diante da persuasão e devoção de Werther, acabou por amá-lo à sua forma; mas foi um amor que não passou pelo caminho da beleza antes de virar amor, e sim pela piedade de ter que amar.
Saindo um pouco do enredo da história e entrando na parte de raciocínios errados de Werther (querendo ser aforismos), mostro um trecho: "E então, por mais limitado que seja, guarda sempre no coração a doce sensação de liberdade, sabendo que poderá livrar-se do cárcere quando quiser". Só nos cresce a sensação de liberdade quando estamos em cárcere obrigatório ou em inércia, esse sentimento não é natural, não se estabelece sozinho; e quando se estabelece ele não tem nada de 'doce sensação' e sim tristeza, algo como uma grande espera inquietante. A liberdade só se transforma em algo belo quando é alcançada, em seguida se metamorfoseia em paz de espírito.
Chegamos então ao suicídio de Werther, ao final da obra. Aí vemos o tamanho de sua mesquinhez, uma eterna criança mal-criada batendo os pés no chão pelo relevante, eis Werther. Antes do suicídio deixa uma carta para a sua amada penalizando-a sentimentalmente: "Vê, Charlotte!Não estremeço ao tomar nas mãos a fria e terrível taça, da qual deverei sorver a embriaguez da morte! Tu mesma ma ofereceste, e não hesito por um momento sequer". Ele estava errado desde os primeiros momentos, mas quis atribuir sua culpa à segundos, terceiros. Vemos a mediocridade desta obra mais nitidamente quando comparamos com "Noites Brancas" de Dostoiévski, em que o personagem também sofre de um amor renegado e sofre um golpe muito pior do que Werther: depois de arduamente ter esperado sua querida Nástienhka e finalmente tê-la conseguido para si, no dia seguinte ela volta para seu antigo pretendente, abandonando-o. O que o herói de Noites Brancas faz? Abre um doce sorriso e exclama: "Meu Deus! Um momento de felicidade! Sim! Não será isso o bastante para preencher uma vida?" O personagem de Goethe é aí nocauteado ferozmente pelo personagem de Dostoiévski.
Contudo, fecho com a única passagem bela que encontrei no livro e que realmente merece crédito: "É como se um véu se tivesse rasgado diante de minha alma, e o palco da vida infinita transforma-se, para mim, no abismo de um túmulo eternamente aberto. Poderás dizer: 'É assim mesmo!' Quando tudo passa? Quando tudo deixa de existir e desaparece com a rapidez de um raio, tão raramente sendo dado aos seres viver até se esgotarem as suas forças, quando eles, ai, são arrastados pela correnteza, engolfados por ela e destroçados de encontro aos rochedos? Não há um momento em que não destrua a ti e aos teus, em que não sejas, necessariamente, também tu um destruidor. Um simples passeio custa a vida de milhares de pobres vermezinhos, uma passada desmantela as construções penosamente erigidas pelas formigas, e condena a um túmulo ignominioso todo um pequeno universo."


Boa sorte na leitura - e muita paciência -.

Freitag, August 27, 2010

Coisa linda!

E sabe-se lá porque lidar com tanta perfeição não tem sido um custo ou um martírio. Porque nem nos maiores erros você faria doer, para você sempre é uma questão de 'tá, não gostei' e não repetir nunca mais. E você não repete, você parece ter um banco de dados de idiotias. Ou pior: você aprende com os erros; e é fácil imaginar a vida sem você: andar afundando o pé em buracos até torcê-los tanto a ponto de ter que engatinhar com as mãos, depois se arrastar. Deus sabe o quanto dói se arrastar pela vida com a boca na lama. Fácil agora ter 1,80m de caminho que sempre se prolongará, tamanha generosidade. Agora eu fico andando pela vida na ponta dos pés, sempre lembrando que o caminho parece tanto com você; claríssimo e apertável - como em um balé.

Sonntag, August 08, 2010

Ao pequeno garoto púrpura

"Y aprendi a quitar al tiempo los segundos,
Tu me hiciste ver el cielo aún más profundo..."

Shakira , Antologia.





Cinco semanas, foi extremamente curto para viver tudo de uma vez só e muito amplo para termos consciência que essa coisa da gente viver um sem o outro não vai ter chance mesmo, no way. Era acordar todo dia ao lado de um rapaz que passou a noite inteira sem dormir única e exclusivamente para passar esse tempo te admirando em sono, contando os intervalos de sua respiração, achando tudo muito doce; até o fato de dormir pouco e ficar até tarde bebendo cerveja do lado de gente que não fala seu idioma.
Recebia também sete beijos seguidos entre as minhas costelas antes de pensar em levantar da cama, escovar os dentes e tomar banho; e com a cascata de cabelos loiro-acinzentados nos meus olhos. Era divertido dormir com uma das suas blusas listradas que só você tem. Descer do ônibus de madrugada para fumar um cigarro completamente agasalhada e ainda assim morrendo de frio - eu realmente achei que ia perder meus dedos - , e me deparar com você sem agasalho achando que não estava frio, apenas fresco. Em seguida você se entupia de iogurte na lanchonete da rodoviária, sem dúvida as pessoas deveriam aprender a tomar iogurte da forma fofa como você faz. Aliás, todo mundo devia imitar você todo tempo, você é de uma doçura invejável. É tão doce que eu só consigo imaginar a vida te apertando, apertando, apertando e dizendo 'ain-oin-nhoin-hoin' e olhando olhando, até os olhos ficarem estrábicos. O que contrasta com a frieza que seus olhos exalam de vez em quando, nada demais, herança do velho continente.
Forma fria que desapareceu naquela manhã, do quarto completamente ensolarado, quando você chorava, chorava, medroso do futuro sem a Ana. Te chamei de Mädchen e quase disse para você ter fé e ver coragem no amor, mas não dá pra traduzir isso com a emoção merecida pro seu idioma. Infelizmente temos o Atlântico, meu ócio e desvios da vida em nosso caminho, mas quer saber? Quer saber de verdade? Pela primeira vez não estou prevendo nenhuma sapecagem da vida ou coisa do tipo. Porque você é limpo e me fez praticar aquele tipo de amor-não-devo-nada-a-ninguém. A maioria das pessoas ama para os outros e esquece de que se tratava o começo. E você nunca me deixará esquecer, com seus imensos olhos azuis marejados. Ondas no mar, t'aí uma boa definição para quando você chora: ondas, mas daquele tipo bem brando, não uma coisa praiana, mas sim algo que recorde o oceano, tamanha a imensidão. Fica a minha saudade feliz - eu nem sabia que existia saudade feliz, até isso você me ensinou - dos dias mais simples da minha vida, obrigada pela felicidade, foi um presente tão magistral quanto o livro do Amós que você me deu. De mim fica o barquinho vermelho, para a sua coleção, barquinho na correnteza, Deus dará, citando Caio. Não dá para me utilizar do cliché de que "você me ensinou a amar', porque isso você não fez, já tinha aprendido e acumulado péssimas experiências do passado, que eu até visitava de vez em quando. Você fez o mais importante: me ensinou a viver sóbria.

E hoje...

...eu sei,







sem você...











...sou pá furada.


















Samstag, Juli 31, 2010

Da morte

Não é uma grande boa nova de que tudo me dói, o engraçado foi não doer na hora, nem depois. Não que não doa, mas esqueceu de doer, o sofrimento às vezes esquece da gente de uma maneira muito avulsa. Não doeu de uma maneira como se eu já soubesse e não soubesse. Porque eu não sabia, mas meu corpo fazia esforço para entender os traços da vida, as sutilezas de sinais e reagia como podia.
Nada de calafrios, grandes lágrimas ou "creio em Deus pai todo poderoso"; apenas uma tristeza de que tão aguda era transversal a mim. Como meu corpo já está acostumado a todas as sensações ruins existentes, não dei bola. É exagero no álcool, deve ser isso. E era apenas perda, t'aí!, como era perda e nisso eu sou pós-graduada eu não dei a mínima, devido ao costume exagerado a essa sentimento. Daí um milagre: a perda só é percebida quando a contam. Se você não souber da perda ela nunca existirá, eu não sei se esse raciocínio é válido para todos ou só para os que tem a alma deformada como a minha. Por fim, de tudo ficaram ensinamentos valorosos. Nosso organismo é coordenado pelo nosso espírito; a perda de tão desgastada está banalizada e não mais sentida; e o terceiro...bem, eu esqueci o terceiro. Vocês entendem, muitos anos de álcool, hão de me dar licença. O que eu quis dizer o texto todo foi: meu irmão alcólatra morreu e se eu não me der jeito também vou causar estranhezas em organismos alheios.

Samstag, Juli 03, 2010

Wochenende

Assim como a Ly, eu não sei como cheguei inteira no final do semestre, ou ainda, como ele finalmente terminou. Meses tão duros que eu estou aqui gozando de plena liberdade e não consigo me movimentar ou ter a percepção de alguma coisa. O que eu consigo resumir é que meu cabelo está ultrapassando a cintura, eu estou mais magra - como se fosse possível - e o cansaço se multiplicou de forma irreversível e tornou-se lição: fechar os olhos e parar de respirar na maioria dos momentos, tão-somente. Daqui há algumas horas eu vou voltar aos abraços do homem mais feliz que já conheci em vida, e assim, com nenhum esforço e muita ajuda divina tentar fechar os olhos, parar de respirar e em nenhuma possibilidade lembrar que a Ana existe. Auf wiedersehen.

Sonntag, Juni 20, 2010

Silent edges

"You run around and groove like a baggy
You're only here just out of habit."
(Kinky Afro - Happy Mondays)



Entrar em qualquer tipo de explicação ou lógica já saiu há muito de controle. Vou tentar simplificar, é assim: eu sou um ser humano, carne-osso-carbono, simples. E eu tenho inércia. E não é daquelas inércias simples, só aquela dificuldade sempre de fazer qualquer coisa para mudar qualquer estado. Aliado à inércia tenho falta de vontade total. Então até tento me levantar e ir embora, sair. Mas quando tento a vida trata de me dar uma pancada muito forte, bem no meio do estômago; logo vomito e ando para trás, porque se eu estava sentada agora estou ao chão. Não se trata mais de não poder se mover, mas de medo de se mover e ter que vomitar de novo.
Não faço idéia do que há de errado e não digo para mim, porque até agora não estou vendo nada de errado e isso é atemorizante. A vida quando é vida tem muita coisa de errado, mesmo com aquela história toda da desmistificação. Estou completamente errada e não sei nem ao menos o porquê. Só sinto muito por todo mundo e sério o sinto de verdade, talvez o fato de me sentir errada esteja tomando proporções catastróficas no meu Id. Não posso fazer nada, empurrar a pedra até o topo já não é mais tão digno assim. Um momento de felicidade? Já não preenche nenhuma vida. Preencherá, mas isso ainda está muito longe. Enquanto a felicidade não vem eu a vejo assim, bonita, enquadrada, belíssima; da agonia de vê-la, estender os dedos, achar em delírios que a toco e dormir no cansaço de todas as tentativas. Quando ela finalmente chegar me acordem. Se conseguirem.

Donnerstag, Juni 03, 2010

Como perder um homem em 4 horas e meia

Ou: "Welcome to my life"
Ou ainda: Kate Hudson, senta lá!




1º Comece conversando sobre você, seu ego, sobre o Grande Ego e sobre como todas as pessoas acham você Deus.

2º Encha a cara, afinal de contas, você é uma alcólatra.

3º Use drogas na frente dele, principalmente sabendo que ele não suporta cheiro de marijuana.

4º Fale de todas as vergonhas e situações caóticas que você já passou na vida.

5º Sente no colo dele e chame-o para ir ao motel (primeiro encontro, remember?).

6º Beba mais.

7º Você bebeu muito, tá a capa do Batman!; então vá até a sarjeta e fique lá jogada às traças enquanto ele (bonitinho!) te compra água.

8º Vá para casa, agarre-se à privada e faça de lá seu colo de mãe.

Donnerstag, Mai 27, 2010

Sujando Caio

.




Já fiz um texto aqui reclamando uns absurdos com o Caio. Tanto faz, minha vingança foi você cair na boca lamacenta da galera whatever. A foto acima foi tirada minutos antes da prova de Morfologia, ando gostando de Morfologia, apesar de ser melhor em literatura do que em gramática. Agora descobri que meu forte é literatura russa. Povo forte, sofrido, miserável e sonhador. Tá, problema meu se vou prestar vestibular de novo para letras-russo na UFRJ e me cansar mais do que já me canso, e fumar mais do que já fumo fazendo só uma faculdade. Cigarro é uma despesa idiota, bebida também. Eu não fui ver o filme sobre Perseus (só ia ver pela Medusa mesmo) e parei no bar de onde não saí tão cedo. Dê adeus à dignidade, pobre fígado.
Por falar em dignidade tenho visto coisas vergonhosas. Assim, eu ponho a culpa no álcool, e é uma culpa verdadeira, mas há quem faça sóbrio. Acho perda de tempo e de senso crítico montar um espaço para imbecis. Dá desespero, sério. Blábláblá. Blábláblá. Ninguém sabe mais prestar homenagens bonitas. Até as demonstrações de amor são puramente egoístas, não é uma questão de fulano, é uma questão sua; aliás, é uma questão minha, para mim. Tanto faz, vai tudo cair em meus ombros; imbecis costumam achar digno e bonito ações mais imbecis ainda providas de outro imbecil. Que cansaço. Que cansaço. Que can-sa-ço!
Minha nossa, é surreal como as coisas voltam. Senti o mundo totalmente limitado e redondo agora. Como pode? É inexplicável, sempre o foi. E Caio sempre alimentou, o maldito (bem feito!, caiu na boca da patuléia!). É extra-surreal, na verdade. É absurdo. E vendo aqui, ain, péra... nossa, que saudade. É essa a palavra exata, saudade. Como o Drew vendo o Mitch morto no caixão e tentando saber qual palavra usar. É saudade e não faço idéia de quê. Se eu tirasse o acento do 'quê' ficaria muito Padre Pluche com as orações. Caquinha! Falei besteira, lembrei besteira. Definitivamente, o Grande Ego ficou fora disso há muito tempo, logo não posso explicar. Talvez seja mais do que visceral, visual ou sentimental. Acho que é da providência divina, só tenho essa explicação para tão pouca clemência com meus pés.
Tudo costumava ser muito bonito, mesmo. E nem era tão bonito assim, enfeitado e afetado; só era bonito e leve. Eu era a que precisava menos, sempre fui. Grandes erros da soberba descomedida, do desapego e indiferença exacerbados. Pura hýbris. Sem a kléos, claro. Remoendo aqui no pc achei um vídeo que fiz de presente de aniversário pra Mayzóca. O meu olhar era mais brando, como é fim de semestre e por si só já sou naturalmente arrasada eles estão, hmm, não sei. Só estão colados no rosto. Hmm, aqui o vídeo:

Por fim, a vida não anda fácil. Limite? Talvez. Cansei dessa liberdade ilusória, eu preciso de caminhos de verdade e não ficar traçando minha vida aqui, sentada, levantando de vez em quando, acendendo um cigarro. Enquanto meus olhos não voltam eu espero eles aqui, abarrotada de saudade. Até o céu.

Dienstag, Mai 18, 2010

Um respeito ao Grande Ego

"Já são quase 5 da manhã
Por que ainda insiste?
Faz muito tempo
Que não tenho o que dizer..."

(Moptop- Aonde quer chegar)




Não faz falta e nem ao menos se faz perceptível. A não ser nas horas de muito cansaço, muito sono e muito álcool; talvez eu não seja mais eu mesma nessas horas e sobre um pouco de adeus irredutível grudados dentro de mim e alguma alma estranha apertando as teclas.
Assim, talvez seja um desses rasgões que fazemos por aí nos pés, nos braços e que não percebemos que estão ali e nem doem, e se curam sozinhos. O fato é que não amo mais, não mesmo e sim já amei mas se foi e todos estão muito bem com isso, ao menos em um pedaço de aparência, em alguma engrenagem que faz o tempo continuar a funcionar e não damos a mínima. Todo mundo cansou de tanta maldade gratuita sem ter o porquê, e um grande anjo - o mesmo que te acolheu no auge do sofrimento - deu aval de liberdade para que se enxergasse tanta mentira boba, e por fim os rasgos nos pés se tornaram aquelas casquinhas tão gostosas de se arrancar.
Agora os pés estão limpos, brancos e prontos para encharcarem-se de poeira nesse tanto de caminhos que eu tenho e que você, por atitudes tão vis e que não vão fazer a mínima diferença na vida de ninguém que por excelência é bom e merecedor de todas as doçuras da vida, não vai ter sequer a oportunidade de provar. Mas não estou aqui para lhe fazer julgamentos que me falta peso nas mãos e ar nos pulmões (já congestionados pela nicotina) para sentenciar. Apenas escute: eu não te amo, não é insistência e não há sonhos acerca de você, pois não se constrói sonhos com monstros: faltaria beleza e isso eu tenho a acrescentar graças à Deus! Outra: da próxima vez que for encenar cuidar da pessoa que gosta, faça-o com sinceridade. Não faça mais de mim um meio, um caminho para todo esse inferno que você - por vontade própria - guarda em si. Tão-somente.

Samstag, Mai 15, 2010

Da miséria colhida

"É verdade, minha senhora: atormento-me demasiadamente."
(Tristão - T. Mann)



Toda essa completude ensaiada não chega bem a me dar nos nervos. É que se fosse vice-versa seria surreal do mesmo jeito. Deus, às vezes, adormece. Com um sorriso nos lábios e uma expressão benevolente; quando acorda já é tarde demais: estamos em misérias. Não é que o mundo esteja de cabeça para baixo, é que somos os avessos de nós mesmos cada vez mais afundados no vício e sem ter meios de sair. Quem não têm vícios logo arruma vários, machucamo-nos por assim conseguir sustentar uma abnegação e assim nos sentimos imensos, completos.
Não é também que eu seja a maior reclamona da paróquia; mestre Olavo me ensinou a não deixar a imbecilidade se graduar de forma alguma, mas se a imbecilidade não é nossa que custa deixarmos ela criar pernas? Custa o convívio, custa ego, desgaste emocional e nocional. Tenho visto muita coisa por aí que não me agrada, como os castigos que colho por outrens. Eu estou aqui, de braços cruzados, puxando um cigarro de vez em quando e aguardando e... nada. Pasmante dever tanto assim e não ser castigada e ser preenchida. A verdade é que dá pra sair com vida dessa vida, mas com os olhos repletos de revolta. Não estou satisfeita com as atitudes divinas, talvez por isso nunca mais rezei. E fico triste, assim, muito, por não poder mais rezar de tão chateada. E me sinto humana. E tomo atitudes humanas. O problema é que as conseqüências até seriam banais, talvez apenas um "olá, sou o destino e estou vivo" não seja suficiente e nunca o será. Egos são coisas caras demais e o mais dolorido disso tudo é que as melhores pessoas o quebram ou deixam por aí em alguma calçada, do lado da garrafa (vazia, claro); não entendo como se dá de presente o sono dos justos pra quem tanto falta com essa vida. Mamãe me comprou um escapulário, logo irei fazer as pazes com Seu Zé Céu e assistiremos aos pagamentos, finalmente satisfeitos.

Dienstag, Mai 04, 2010

Da semana

Mutter comprou persianas cor mostarda para sala, de modo que passo a tarde toda vendo em sépia. Todo o cansaço da UFF se extinguiu, voltamos a ser sorridentes e esperançosos (com um copo de cerveja na mão, é claro). A genialidade sem trabalho duro não é genialidade, vide minha prova de alemão. Hmm, dona Rafaga me ensinou da forma mais doce até o céu que a racionalidade é sempre a melhor escolha. Não quer dizer, de longe, que você será sistemático ou mecânico; apenas que haverá uma visualização melhor da vida, mais paz, mais doçura, mais descanso do sofrimento maior - conseqüentemente o afastamento de psicopatas e gente que finge que prossegue (com a cabeça totalmente voltada pra trás). O sol voltou, não estamos de bem, ele derrete meu blush em poucas horas e ainda aguardo a volta do cinzento. Dona Medusa deitou suas asas de ouro em minhas costas, plim!, enormes até as costelas e imensas. Comigo ela pode facilitar a proximidade sem medo algum; ensinei-a que não "é preferível morrer e tornar-se monstro", mas viver em espera e assim sê-lo por tempo demais. Voltei a escutar Sigur Rós, projetos de tatuar a frase "Ágaetis Byrjun" nos pés e mantê-los descalsos, dançantes de Ella Fitzgerald. No mais a empatia com a língua grega continua, com suas declinações tão fofuras e os significados das palavras e verbos tão belos, tão grandes. Auf wiedersehen.

Donnerstag, April 22, 2010

A quem confiar minha tristeza?

A frase-título é um versículo de um canto da Igreja Russa. Os ortodoxos têm se mostrado imensos e me dando uma perspectiva grande de caminhos. Não que haja caminho para andar, mas há caminho para ver e dentre andar ou ver temos sorrisos ligeiros e cansaços eternos. Tenho estado orgulhosa de mim por fazer ver e entender a maioria de que a intuição vale muito mais que a sistematização, que se fosse o contrário Raskolnikóv teria matado a velha e ficado com as jóias, mas ele as escondeu e não quis mais saber delas; logo a coisa toda não remetia à fome mas ao desespero consciental. Mas a imbecilidade evolui tanto quanto a própria inteligência e de vez em quando me deparo com asneiras torpes, há pessoas que acham que possuem o poder de analisar e acertar como se fosse jogar na roleta. Não é uma questão de você escutar uma história, é a questão de não ser um pobre idiota crédulo de sensitividade aguda e que pode dividir o rio e guiar os hebreus. Essa minha moda "deus" está contagiando as pessoas mesmo. Daí cito Tchekov : "Se alguém escreve mal, não se procura explicar-lhe em que consiste o defeito mas dizem-lhe, simplesmente: De novo, este filho da mãe escreveu bobagem!" ; não dá pra ficar vociferando "imbecil vil!" por toda a minha eternidade, desculpem.
Letras está cada dia mais casa. Tanto que sinto-me enorme naqueles blocos que agora parecem tão pequenos. Não há mais beleza ou dor a se descobrir lá, acabou e só sobrou alguma faísca de esperança por um behaviorismo que não me canse na metade e me entretenha por um bom tempo. Todos estamos fartos de dias, todos. Não sei como alguém farto consegue ter a facilidade de fingir para si mesmo que está tudo nuvens de algodão, quando se carrega uma dor daquelas. É sofrimento de deformar a alma e deixá-la moldada e imersa em desgraça. Lembrei agora da aula de grego em que a professora explicava que em grego não há a palavra "pecado" só a palavra "falta". Não há como atingir aos deuses porque estes são superiores demais, logo só podemos cometer atrocidades com nós mesmos (o sentido de falta humana para os gregos é muito maior que o de pecado para nós). Não havia mais como me atingir e por isso tantas faltas contra mim. Queria entender porque tudo em mim remete ao paradoxo, nunca é só uma coisa, são as duas. Tantas opções e nenhuma salvação. Algum dia houve fé aqui neste blog, algum dia houve vida e até mesmo alguma importância aos sentimentos. Tudo ultrapassa o abstrato para mim agora, como em Pde. Antônio Vieira: "(...) em pó, em nada."

Freitag, April 16, 2010

Do mais sensível da Almayer

"The end is in the beginning and yet you go on."
(Endgame - Beckett)


"Você não sabe o que é lutar. Você não sabe m-e-s-m-o o que é lutar, Ana!" (joga o cigarro no chão e sai indignado da mesa do bar).


Ele tem mais fé e vê mais coragem no amor que eu. E definitivamente eu não sei lutar mesmo. Todas as minhas declarações de amor são egoístas, não tem uma que se pareça ao menos com uma declaração de amor de bom grado. É tudo pra mim. A idéia de onipresente e onisciente ainda está em mim, daí a maioria me achar tão parecida com Deus, mesmo nunca tendo visto seu rosto. Vêem o meu cheio de arrogância-doçura e acham que é isso mesmo: Deus. Mais: porque vêem meu rosto tão machucado e tão cansado dessa vida que associam a algum tipo de martírio pessoal. E não há. Eu posso não ser a pessoa mais feliz do mundo (e só Deus sabe o quanto eu tenho todos os motivos para ser a mais feliz), mas eu sou livre; e nunca vou abdicar dessa liberdade, nunca. Eu ensino as pessoas a sonharem, mas não as ensino a voar. E é tão fácil. Ou é pra quem não tem mais nada a perder? Não sei. Tá, sou cansada, livre e orgulhosa. Eu até queria, queria de verdade, perder meu precioso e sagrado (sim, sagrado, segundo algumas pessoas eu sou Deus, então é sagrado! rs) tempo com o ser que me ama, mas não dá. É que no amor eu sempre prefiro manter uma distância educada. Talvez eu tenha nascido na época errada, talvez se eu tivesse nascido no séc. XVII eu pensasse "poultz!, nasci com o sexo errado!"; é tudo muito errado. Ah!, e claro!, quando resolvo extrair de mim para lhe dar acabo sendo espetáculo para todos, porque não são quaisquer palavras, são as palavras da Ana, então todos querem ver, todos querem tocar o papel, o maço de cigarro, o isqueiro, quiçá qualquer guimba que deixei por aí. Relíquias. Engraçado isso, além de ser tratada como Deus sou tratada como morta.

Dienstag, April 13, 2010

Tristeza

"Errei pela primeira vez quando me pediu a palavra amor, e eu neguei.
Mentindo e blefando no jogo de não conceder poderes excessivos, quando o único
jogo acertado seria não jogar: neguei e errei."

C.F. Abreu




Lápis de olho borrado no papel higiênico do banheiro do bar, nariz fungante e olhos no espelho. Água escorrendo pela torneira, mãos apoiadas na pia. Quando é que você irá ficar de bem comigo, vida?

Sonntag, April 11, 2010

Do psicopata que só faz bem para mim:

- Isso foi depois da nossa última conversa... Em qual das categorias me enquadro? Família ou amores?! Eu estava falando das fotos nuas da Milla Jovovich! Mas já que falou das suas, tudo bem, o casaco de duas listras deve esconder algo apetitoso por baixo. (...) Quando era criança a palavra nerd nem mesmo existia, e mesmo assim tentava mover as pedras com a Força! Meus irmãos foram assistir "O Império Contra-Ataca", quando foi lançado no cinema, não pude ir junto pela idade. Chorei a noite inteira... E sonhei que tinha um sabre de luz embaixo da cama. Cheguei a escutar o som dele. Mas peguei no sono e ele se perdeu para todo o sempre. Minha predileta dos Beatles é quase todas: Dear Prudence, Dig a Pony, várias. Estou aqui conversando ao vento com seu avatar, muito interessante!




- Olá, Dré! rs. Então, você se enquadra na categoria 'amigos', uai! Estava querendo fazer parte da categoria 'amores-da-vida-da-Ana'? rs,rs. Bem, levando-se em conta que o mocinho ficou hmm 10 minutos?, olhando para meu avatar emiéssiênico e conversando sozinho, só pode ser loucura da paixão mesmo! Bem vindo ao fã clube da Ana, haha! Brincadeira. Há algo de apetitoso por debaixo do moletom, claro. Na verdade, seja lá quem for e o que esteja vestindo sempre há uma forma de ser apetitoso a alguém, temos um maldito plano espiritual-amoroso nessa vida, rs. Estou morrendo de rir da história do Guerra nas Estrelas, rs. Chorar pelo Darth Vader é no mínimo muito digno, estou orgulhosa... Veja bem eu!, reles mortal querendo comprar um Adidas Star Wars enquanto você chora dignamente. Sim, "Yesterdays" continua sendo a melhor, quando você fizer tanta besteira na vida que não der conta vai ser a sua também! rs.


Post scriptum: Seu vizinho do Wireless continua sendo um canalha vil, rs.

Mittwoch, April 07, 2010

Pés descalços

A chuva de onde moro matou mais de cem, enquanto as pessoas morriam soterradas eu comia salgadinhos de camarão e bebia cerveja com a Rafaga e o Vinícius. Isso mesmo, caía o mundo lá fora do bar e eu nem me dava conta de nada. Irônico isso, não? Na verdade é maldade pura da vida mesmo. O certo seria eu estar soterrada e toda gente que luta estar comendo salgadinhos e tomando cervejas. Eu não sou excessão à regra, há muitas pessoas que não deveriam ter tido a sorte de um cordão umbilical e desfilam por aí, como se fossem dignas de um nariz puxante de oxigênio. Sou do movimento "oxigênio não é para todos"; no mínimo podiam fazer fotossíntese e depender de luz; aí que me dou conta de que tem que ser humano mesmo, porque luz é uma coisa que essa gente não tem. Sabe, não morri e meu all star azul-marinho-acinzentado secou facilmente no dia seguinte. Eu não morri e a Rafaga disse que eu sou extrema-mega-ultra-dupa sensível e que isso desacarretou a quebra da linha da cabeça (quebra de consciência dostoievskiana pura!). Esse post está demais a cara do André, só falta mesmo o humor. Vamos lá: eu não morri porque sou o Ikki de Fênix! Eu sou onipotente, onipresente, onimodapresente (essa eu também inventei, Dré). Espera, vou deixar isso com a cara da Ana. Eu não morri porque eu sou Pégasus, o cavalo com asas. Você sabe quem era Pégasus antes de ficar vistoso e fofura? Ele era a Medusa, o monstro castigado (antes era uma deusa belíssima que foi estuprada) por Zeus que não podia ao menos tocar ou olhar para os próprios filhos. Eu não morri e meus braços estão vazios.

Mittwoch, März 31, 2010

Equinócio

Só para constar que sofrer como mártir não está com nada, podem largar suas pseudo-coroas de espinhos caso tenha passado pela cabeça colocá-las e fazer uma grande expressão de dignidade. Só estou muito triste, do mesmo jeito que eu estava há algum tempo olhando para a tela do pc absorta, sem conseguir pronunciar uma palavra. Daí se seguiram dias, chorando baixinho, molhando o travesseiro, empurrando garfadas de comida goela abaixo e tudo o mais. Não poderia ter sido diferente, não para mim. Porque eu já compreendi que vocês nunca vão compreender que eu sou de carne, osso e excentricidade, que sim eu sinto muito e foi lindo e me fez falta por muito tempo; e o verbo no passado é só porque a inércia e a tristeza em excesso não me permitem transformar passado em presente e me lembro do Gatsby de novo esmurrando o ar e tentando provar para si mesmo que podia fazer o passado retornar sim. Ou fazer como a Dra. Grey andar pelos corredores cabisbaixa e sair do elevador com um olhar triste-digno murmurando baixinho para ele "sinto saudade". Mas eu tenho um queixo orgulhoso e um olhar que poucos aguentam, se até minha mãe me chamou de arrogante eu nunca poderia esperar que vocês entendessem que... ain, cansei, só me abraça (se ainda houverem braços depois de tanto sofrimento). E eu sei que esse cansaço, esse martírio-jeitinho-brasileiro não parte só de mim, eu sou menos indiferente do que pareço. Eu só estou realmente muito cansada, e dormir ou morrer também não adiantaria de muita coisa; um grande buraco negro sugando todas as possibilidades de vida, eis a Ana.

Donnerstag, März 25, 2010

Páthos

Termo grego que designa sofrimento ou experiência, sofrimento em grego também pode ser chamado de páskhó (daí a Páscoa que quer dizer sofrimento maior e não ovos de chocolate que eu tanto amo ganhar, rs). É que eu estava fazendo a transliteração de palavras na aula e daí surgiu páthos, queria realmente que meu teclado permitisse eu escrever os termos em grego que são tão bonitinhos-fofura, sério, conquistam. Então, o campus anda cada dia mais vazio. Não fazemos mais aulas lá, estamos aprendendo tudo no mesa do Bin Laden; nós: todos juntos, cada um com seu copo, os não-fumantes respeitando os fumantes e a lei anti-fumo foi-se ralo abaixo.
Nós ficamos lá e sempre adiamos mais tempo, achamos que se ficarmos no vício mais alguns segundos toda a nossa vida irá mudar. Esse é o pensamento de um viciado: só mais uma e a vida muda. Depois dos segundos tudo que nos sobra é muito tédio e uma inércia que nos impede de chegar em casa em um horário razoável. Eu adoeci assim, de repente o mundo ficou num borrão e acostumou assim, sem graça, sem visão. A cegueira não me assusta mais, eu até gosto dela, mas vejo; a maioria das vezes eu vejo e vivo assim: cega-vendo-tudo, muito sofrimento. É como se você visse mas não pudesse fazer mais nada e quando não podemos fazer mais nada a vida começa a se parecer muito com a morte, aliás, vai além dela e ninguém -ainda por cima- sente demais por você. A verdade é que eu posso fazer sim, mas o behaviorismo anda tão bom assim, mil dicionários, mil gramáticas, grego, alemão, língua portuguesa que começo a acreditar na antropomorfogia no amor.
A verdade é que não se acostuma a viver sem o essencial, os pés travam, a cabeça são só memórias e o pior de tudo é a comparação com o presente. Tudo transfigurado em algo muito pior, muito nojento de arrancar ânsias mas não tem jeito mesmo então se continua assim. O problema dos homens hoje em dia é quererem ser o que os heróis gregos não foram: comedidos. Que que tem de mais fazer uma hýbris de vez em quando, irritar os deuses do Olimpo, irritar todos em volta, passar vergonha e alcançar a glória eterna? Uma grande burrice-perda-de-tempo sermos heróis-filhos-namorados-amigos comedidos quando podemos ser deuses, mas nascemos tementes e presos, estamos realmente ferrados, meu amor.

Dienstag, März 23, 2010

Feiertag






Out to sea
It's the only place I honestly
Can get myself some peace of mind
You know it's getting hard to fly...



Oasis - I'm outta time

Sonntag, März 14, 2010

Os bafões do Paul

Paul é um querido que eu conheço há mais ou menos um ano e com quem vou ter filhos arianos de bochechas rosadas, rs. Ele contando dos causos dele quando foi a Alemanha:

- I ever told really funny! The first was a german guy asked me to close the window but it was really hot and I wanted to say: do it yourself; in dutch: do het zelf! I translate and said go to masturbate! (mach es disrselbst!). Second mistake: In dutch there is a word "bij-slapen", it means getting extra sleep like if you had a long party until 6 in the morning. Then you go sleep in the afternoon 1-2 hours. In dutch this means "bij-slapen". Now there was a german girl, in our office and she was sick a little. So, she went home and slept for few hours. Then I asked her later: hast du gut beigeschlafen? What means did you good sex!

( Rindo até agora).

Samstag, März 13, 2010

Vocês tinham que saber...

... que dormirei o sono dos justos, depois de tanto tempo. Sem peso na alma e com a certeza que há sim o amanhã e sem manchas, com sorrisos, com as folhas rolando pelos paralelepípedos da UFF ou os raios muito quentes atravessando minha janela. Assim. Em paz. Boa noite.

Dienstag, März 09, 2010

Do subtítulo do blog

Calvino (o Ítalo, não o João) tem sido um dos queridos nos últimos tempos. N'as cidades impossíveis é totalmente possível, e permitido, sonhar. Prestem atenção: sonhar, não fantasiar. Pus o parágrafo final do livro como subtítulo, pois é um parágrafo válido por e para toda a vida. O interessante é que você imagina e sonha o livro todo e no final Calvino mostra o contrário do livro todo: a realidade. Eu não tenho seguido a filosofia dele, é mais forte do que toda vontade e disponibilidade de paciência que me restam. Ao invés de reconhecer quem e o que não é inferno e dentre o que não é abrir espaço, eu abro espaço para o inferno; melhor dizendo o inferno abre espaço em mim. Acontece que eu não quero pular para a primeira opção e me adaptar ao inferno, eu não sou inferno, até minha expressão facial é branda (apesar do septo furado): quase sorriso de longe na face, digamos que um sorriso de um vencido. Sou amada, quase idolatrada por zilhões de seres vivos e tenho a pachorra de sustentar uma cara de mártir-quase-feliz; é meio absurdo, mas ainda assim brando.
"Até o ponto de deixar de percebê-lo"; e quando o inferno quer ser visto? O inferno é o inferno, ele é vaidoso, ainda mais comigo; ele quer espaço na Ana, aliás todo espaço. Isso me lembra o homem do subsolo, ele passava pelo oficial todos os dias, perseguia o oficial e este nunca nem ao menos lhe cedeu espaço para passar; o homem do subsolo resolveu esbarrar e nem assim o oficial notou sua presença. Eu já notei a sua, já ganhou post no blog com direito a Calvino, tire uma foto, mostre para as amigas e dê-se por satisfeita s'il vous plaît. Porque eu posso ter cinco overdoses seguidas, voltar aos meus vícios, ser vítima de grosserias dele, mas você nunca, nunca vai deixar de lembrar quem é a Ana, porque você não sou eu e é isso que te dói. Quanto a isso não posso fazer nada e sabe do mais? Você seria uma ótima pessoa se isso o que você é não fosse puramente interpretado, você não é boa e você sabe disso; aliás todo o mundo sabe. Ele finge que não sabe porque acha que gritando ou casando com quem quer que seja vai criar um enorme buraco mim, mas o buraco que há em mim foi ganho há muito quando ele nem sabia ser gente, e ainda não o sabe. O que eu quero, entenda, é poder imaginar que não respiramos o mesmo ar, porque não acho digno de mim; não quero ele, nunca vou querer, não o amo, acho que nunca amei. Impossível amar alguém sem talento quando se nasce com um. Anyway, eu e meu professor de Literatura Brasileira temos um ótimo contato visual.

Samstag, März 06, 2010

Has paid of well...

Essa coisa de "meu eu", "meu ser", "eu me lembro quando", já encheu. Somos, entendem? S-o-m-o-s! E não deixaremos de ser. Podemos no máximo dosar, talvez fazer o outro de nós pular para fora e duelar, quiçá abrir uma acordo para não sermos tanto ou muito pouco, apenas. Não adianta dar show e nem tentar usar quem sabe do que fala para tentar ilustrar teorias furadas e que cheiram a caca de gato. Conselho: entra no primeiro bar-pé-sujo da esquina, pede uma dose de pinga, acende um cigarro, dá uma olhada na estrutura da cidade e vire gente. Por favor, vire gente antes que eu vomite.

Montag, März 01, 2010

Nelson

Você entrou por aquele portão branco com a pele bronzeada de sol e mais magro, havia esperança nos seus olhos; ter saído daquele inferno de desconhecidos foi a melhor coisa que já lhe aconteceu, apesar dos olhares de desprezo de mamãe. Ela nunca gostou de você, sabe o que acontece quando se dá um passo fora da linha. Um copo a mais de cerveja, um cuba libre, vestígios de pó nas narinas, ninguém nunca se dignaria a te entender, por muito menos pregaram uma pessoa na cruz. E você não tinha fome, não queria café, não queria fazer barulho, não queria nem ao menos um lençol na cama, não queria também tomar banho. Mas era para não dar trabalho, para evitar o menosprezo do olhar e a culpa na consciência, afinal de contas você jamais poderia dormir o sono dos justos.
Antes zombávamos dos diferentes de você, agora zombamos de você porque você não tem mais coordenação motora, você a treme todo tempo, o que falta no fígado sobe para as mãos. E você fede, por isso não sentamos perto e jogamos sua toalha de banho no chão, como um porco imundo que nunca conseguirá atrair o mínimo de dignidade. E você pede desculpas por tudo, céus!, não adianta pedir desculpas, ela nunca vai te olhar com bondade e eu nunca vou olhar nos seus olhos porque você sou eu com os mesmos problemas e o mesmo fardo sem saída, sem solução. Eu prendo meu olhar para fora de ti, vou chorar, chorar de me acabar, chorar até você entender que não é culpa minha, não é culpa de mamãe, não é culpa de Deus e nem a culpa de ninguém, nem mesmo sua. Seu lábio inferior treme, suas roupas são para obesos, seu tênis está rasgado e você não se importa, você até dá uma risadinha de humildade; como se não houvesse mal algum estar em trapos, viver em trapos, viver por trapos e dispensar todas as chances de sair disso. Tanto que te acharam lá, naquele antro de pessoas como nós, vítimas do cansaço e da desmistificação, do trabalho rude que não tece mais as mãos e só serve para nos fazer suspirar até darmos conta que a vida não é um problema nosso. E costuma ser cruel com quem não acha. E vence. Eu choro todas as tardes com a sua imagem esparramada e constrangida no chão da sala, sem pedir um travesseiro, sem pedir ventilador, sem pedir nem um copo d'água, que não negaríamos se você não fosse quem você é, e eu sei que a negação até do copo d'água está no olhar; você nunca vai se dar uma chance de perdão: ou somos a vergonha absoluta ou lutamos contra a consciência da vergonha que sempre nos cerca, e para você nunca nunca haverão abraços.

Donnerstag, Februar 25, 2010

Estamos sempre chorando no colo do passado

Eu disse isso em diversos textos e Calvino (o Ítalo, vejam bem) me reiterou:




" - Você avança com a cabeça para trás?- ou então: - O que você vê está sempre às suas costas?- ou melhor: - A sua viagem só se dá no passado?

Tudo isso para que Marco Polo pudesse explicar ou imaginar explicar a si mesmo ou ser imaginado explicando ou finalmente conseguir explicar a si mesmo que aquilo que ele procurava estava diante de si, e, mesmo que se tratasse do passado, era um passado que mudava à medida que ele prosseguia a sua viagem, porque o passado do viajante muda de acordo com o itinerário realizado, não o passado recente ao qual cada dia que passa acrescenta um dia, mas um passado mais remoto. Ao chegar a uma nova cidade, o viajante reencontra um passado que não lembrava existir: a surpresa daquilo que você deixou de ser ou deixou de possuir revela-se nos lugares estranhos, não nos conhecidos.
Marco entra numa cidade, vê alguém numa praça que vive uma vida ou um instante que poderiam ser seus; ele podia estar no lugar daquele homem se tivesse parado no tempo tanto tempo atrás, ou então se tanto tempo atrás numa encruzilhada tivesse tomado uma estrada em vez de outra e depois de uma longa viagem se encontrasse no lugar daquele homem e naquela praça.
Agora, desse passado real ou hipotético, ele está excluído; não pode parar; deve prosseguir até uma outra cidade em que outro passado aguarda por ele, ou algo que talvez fosse um possível futuro e que agora é o presente de outra pessoa. Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos.
- Você viaja para reviver seu passado?- era, a esta altura, a pergunta do Khan, que também podia ser formulada da seguinte maneira: - Você viaja para reencontrar o seu futuro?
E a resposta de Marco:
- Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá."


("As cidades invisíveis" - Ítalo Calvino; p.28-29/ tradução: Diogo Mainardi)

Dienstag, Februar 23, 2010

Parafraseando Dostoiévski:

Ainda resta alguma centelha de mistificação...


A vida mostrou toda a sua imensidão nos últimos dias, de uma fluidez gritante. Ela continua com pernas enormes, sai correndo de mim; eu corro (com meu pulmão estragado) para alcançá-la, ela não me espera, eu paro e faço um sinal irônico de "sim, senhora!" à ela. O Pedro tem me dado ajudas estratosféricas para que a vida seja um pouco mais doce - mesmo que não haja mais sonhos -. Meus amigos dizem que eu estou livre, depois perguntam se eu realmente estou livre. O Paul está na Indonésia e eu morro de saudades, prometeu que quando voltar vem ao Brasil conhecer Mutter und Vater; talvez eu volte com ele para a Holanda, a verdade é que sinto o Brasil como uma caixa de papelão inútil e o calor excessivo deu corda a metáfora do "sufocamento", rs. O que eu mais queria, na verdade, é adornar meus olhos com toda a arquitetura antiga de Armstedã ou Nürberg; deitar no gelo e ver o céu completamente cinzento, sem lutas com o sol, um cinzento com uma dignidade que não encontro no céu daqui. Já recomeço a sonhar, catando partes da alma no velho continente.

Freitag, Februar 12, 2010

Arrumando as malas...

Now I never leave my zone we're both alone I'm going home...
I wish I'd never seen your face...

Elliot Smith - Waltz #1





Dessa vez para aqui perto, litoral. Todos meus vestidos e maquiagens não couberam na mala, ainda estou procurando meu bíquini verde de bolinhas brancas e está calor, muito calor. Amanhã eu levanto com o sol e sorrio pra vida; não estou indo abraçar ninguém. Bateu a saudade e eu vou para o mar.


(...)

Lá vai ventar como no sonho.

Mittwoch, Februar 10, 2010

Eu como fracasso da mídia

Nasci um romance, tornei-me uma Capricho.



Abri este blog por influência de um amigo, o conservador de direita Levy, a quem devo metade de meu acervo cultural; também por influência da Ly, a quem devo metade de minha sensibilidade não só para mim, mas para com os outros. O primeiro texto desse blog é um artigo sobre um filme, um artigo que hoje em dia considero mal escrito, mas ainda assim um artigo. Logo, minha fama cresceu devido ao heterônimo Felluina, que se tratava apenas de um nome e tão-somente nome e alguns aforismos sarcásticos. Felluina arrebentou corações masculinos e femininos, levando-se em conta que os masculinos estavam acompanhados dos femininos, assim, uma leva de quase-fãs se formou. Era para eu ser imensamente grata por isso, não? Ora essa, nunca escrevi um livro, ainda me encontro em Língua Portuguesa III na Universidade e ainda nem li todas as obras dostoievskianas; mas obviamente, se tratando de mim, a coisa sempre vai para o lado mais vergonhoso da força. Sinto-me enojada. Sinto-me Avril Lavigne como salvação do rock, ainda: sinto-me Clarice Lispector que depois de tantos sofrimentos e devaneios escritos terminou servindo de lacuna a ser completada em orkuts medíocres. Claro que não levo orkut ou qualquer outro meio de comunicação a sério, mas um medíocre é um medíocre em qualquer lugar que pare. Mais além, um medíocre sempre será reconhecido por alguém com o verdadeiro talento. Já dizia o velho ditado romano: "In omni re uincit imitationem ueritas." Quando vi esta frase na aula de latim quase apontei e disse "é isso! é isso!"; a maioria dos meus amigos não me acham arrogante porque sabem do que falo, aliás, eles vêem a tentativa vã de novas "Anas" e "Felluinas" por aí, vêem e riem da minha cara perplexa diante de tanto amor (?) à minha pessoa. Nunca quis ser a dona da verdade, só queria escrever um livro, fazer alguns artigos e entender a verdade absoluta de cada livro. Ao invés disso, sou modelo de currículo para um bando de afetados sem talento, fazem qualquer notícia boba sobre mim virar um escândalo de página de jornal e ainda cospem no prato que comem. Sério, não seria mais educado sentar e pedir indicações minhas como eu fiz com os que me ensinaram parte de tudo? Porque uma coisa é nascer sem talento e persistir decentemente para montar aquilo que almeja, outra bem diferente é nascer sem talento (a indicação divina que eu tanto falo) e achar que copiando meus trejeitos, maquiagens e roupas é o suficiente. Terei o mesmo fim da Lispector: divorciada, com uma leva de fãs vergonhosos e um câncer.

Freitag, Februar 05, 2010

Do Orgulho, ou regeneração do Grande Ego

Tenho uma bolsa preta que está desbotada. Ela cheira a tabaco, na verdade, há restos de tabaco em toda a bolsa. Há restos de tabaco também nas outras bolsas, nos cantos de minha gaveta, às vezes em meus bolsos. Meu cabelo cheira a xampu, mas também cheira a tabaco. Kicilla disse que "essas coisas não passam!"; e meus olhos lavaram o celular. Kicilla ficou preocupada com meu olhar-de-animal-em-caçada para fora da janela do ônibus. Eu não aceitei o abraço dela, eu disse um "não!" sonoro, porque na pior das hipóteses a única coisa pior que não estar bem é aparentar não estar bem e ganhar um bônus por isso.
Querem falar sobre saudade? Richtig. Ela vai sumir, não a saudade, mas a palavra. Tem cada dia mais e mais beirado a nostalgia. Porque ela só tem doído em todos nós, ela tem sido lembranças, ela tem remetido à tristeza pura e simples. Construímos nossas vidas arrancando os órgãos do passado, ambos saímos muito machucados. Tento imaginar a cara do passado quando eu lhe arranco os pedaços, a imagem que me vem é a de um velho resignado. Ambos sentindo auto-comiseração até resolver fechar o acordo da não-memória. E ainda falam mal do Grande Ego; ora, estou salvando o passado. Meu passado está inteiro, com uma expressão vívida e feliz. Ele parece não gostar, eles parecem não gostar. O passado tem uma vida e não sabe como vivê-la. Alguma parte de mim sente saudade; eu disse saudade, não nostalgia. Incrível como certas coisas são muito inteiras dentro de mim. As pessoas acham que têm que decorar o Houaiss para falar comigo, viverei de aforismos e uma grande pose: cara de passado sendo dilacerado, um cigarro na mão e um conhaque na outra; pra não deixar de ser doce.

Sonntag, Januar 31, 2010

Do abuso de nós mesmos

"Sinto falta do conforto de estar triste."
(Frances Farmer will have her revenge on Seattle - Nirvana)



Não é - de longe - a liberdade que nos conduz ao malogro maior, supremo. É o que acumulamos e isso não tem nome. Vivemos abraçados um no outro, abraçados, entendem? Não é encostados, é abraçados. Por isso não é susto o que tomamos, caindo para trás sem ter onde apoiar. Ficamos sem o calor que temos dentro de nós e que só conseguimos sentir quando outrem reflete. Assim, não nos vemos mais, perdemos a noção completa de quem somos, porque não há mais a reflexão de nós mesmos. E permanecemos cegos às mágoas, estamos inertes à dor completa, se dói não vai doer mais como costumaria doer; a dor encontrou uma forma nova de destruir: ela não se faz mais presente, ela é um câncer mudo. Caminhamos porque é a única coisa que nos restou a fazer, mas se nesse caminho vão haver estupros (físicos e mentais) ou desintegração física, só nos damos conta tarde demais. Estamos muito magros, estamos todos doentes, nossos olhos são só pupilas, nossos corpos não são mais templos de Cristo, são pedaços de miséria. Somos todos mortos andantes de braços estendidos à procura de nossa imagem em algum abraço - diga-se de passagem que obviamente já tem dono(a) , somos Bobók sem a recíproca conversa dos mortos, somos monólogos de desgraças.

Donnerstag, Januar 28, 2010

Consciência (sem a desintegração)

"Que seja clemente o castigo, por tanto desperdício."
(Baricco)



Às vezes eu me pergunto para quê eu tenho raciocínio. Sério, eu consegui entender Dostoiévski mas isso vai fazer uma diferença mínima, levando-se em conta que entender Dostoiévski consiste em jogar na sua própria face que ou você é Marmieládov, ou você mata uma idosa fascista ou você entra no cemitério e começa uma conversa de humor negro com os mortos - levando em consideração cada opinião deles, claro - . Acabo de voltar de um estupro (isso é lacônico, diga-se de passagem) e com a impressão de ter a vida nas minhas mãos, não a minha, claro. O Walter, um menino aleatório por aí (mentira, madruguei para ir até o Galeão e tomar uma Heineken divina com ele, acompanhada de Camel, claro) não acha graça em eu ter vida alheia em mim, ele sabe que está certo. "De você eu espero tudo, Aninha"; acho que não só ele, tenho vivido de loucuras e nem são loucuras loucuras, são loucuras de uma intensidade de se descrever em algum livro que eu leria e isso é péssimo por consistir em loucuras que sem querer são auto-destrutivas. Eu não percebo os golpes duros que dou em mim mesma, acho que tenho usado maquiagem demais. Acho que não posso ter outra vida em mim, uma desintegração já basta. Haverá perdão para nós? Termino o post sentindo a carruagem por cima de mim em alguma rua de São Petersburgo.

Freitag, Januar 22, 2010

O ritual do eterno II

(Quem mesmo disse que a vida é contínua? Não lembro. Mas isso beira a uma obviedade alarmante. É assim: você caminha, há pedras; continua caminhando, há pedras. Até encontra alguém para caminhar. Daí as pedras se multiplicam. O dar de mãos se rompe, os dedos se desentrelaçam. Há pedras. Aí recomeçamos a caminhar mesmo assim, com pedras, com tudo, mas agora estamos apegados às pedras detrás, aquelas que machucaram as mãos dadas (e não os pés), temos aí não uma continuidade, não um ciclo, mas um joão-bobo de vida.)



Apagou o cigarro no cinzeiro perto das tintas, mais uma pincelada ali na direita. Um pouco mais de amarelo, já que a vida não podia ser sépia seus quadros eram. Foi buscar a xícara de chá de camomila na cozinha, estava sol. Claro que estar sol não faria mais diferença alguma nessa vida, mas estava. E não era sol de suar, era só um sol de adornar o céu e iluminar os olhos. Às vezes uma brisa ou outra roçava no seu penoir e fazia o tecido leve roçar nos próprios seios, o que lhe causava cócegas. Lá ventava, na outra cidade não, nunca mais.
Goles na xícara cheia de chá, limpar o pincel no pote d'água, melar de novo no amarelo. Viu uma sombra se mexer na fresta da porta. Nessas horas não era bom viver sozinha, mas pior era pensar nessa particularidade de solidão. A campainha tocou. Ajeitou a enorme trança no ombro direito, apertou o penoir longo e preto e abriu. O chão não sumiu, muito menos a respiração parou. Era uma cena óbvia demais e, claro, feliz demais. Mal completado um ano de casamento e ele estava ali na sua porta: ereto mas sem jeito, com as mãos nos bolsos e os olhos muito brilhantes. Ele queria sorrir, mas não era momento de rir para a mulher que tinha abandonado há um ano por puro ciúme imbecil e engano próprio. Ele entrou pela sala e ela lhe foi generosa. Estendeu os braços de porcelana, envolveu seu pescoço neles, sorriu e abraçou e abraçou, e de repente não haviam mais erros, mais enganos e nem mais pecados alheios no mundo. Havia somente aquela mulher tão branca, de estrutura tão frágil, envolvendo aquele homem tão homem, mas que parecia um menino em seus braços.
- Quer beber alguma coisa?
Lá se foi uma garrafa inteira de whisky e nenhuma explicação. Era preciso que não se estragasse o momento. Naquela hora qualquer explicação traria discussão e, assim, a coisa toda viraria vazio ou novela de má qualidade. Era preciso cuidar do momento como não se cuida da vida, era preciso cuidar bem. Risos leves, risos estridentes por pura traquinagem um com o outro, toques leves entre as mãos até elas ficarem finalmente entrelaçadas. Não haviam pedras, só almofadas fofas pelo chão em que estavam sentados. Mais um gole no copo de whisky, a música "Some of these days, you'll miss me honey..." tocando, sorrisos cruzados, olhos de piedade. Tarde demais, quando a vida foi voltar para espiar eles já estavam entrelaçados não só pelas mãos, mas todo o corpo. As mãos dele percorreram aquelas costas tão brancas e macias, os braços apertavam-lhe as costelas; era preciso não deixá-la escapar novamente. Ela achava graça da força do abraço dele e lhe beijava a face, a boca, o pescoço. O celular tocou, era ela.
- Preciso ir.
- Não te entendo, o que você veio fazer aqui então se não é para ficar pra sempre?
- Eu preciso ir.
Enquanto se vestia ela olhava-lhe com certa amargura que com todo o esforço do mundo tentava não aparentar. Vestiu o penoir de volta, pegou uma xícara de chá e foi observar na janela. A campainha tocou. A vida às vezes é uma criança sem noção da sua força de miséria. Era o rapaz que toda semana passava lá para beber cerveja e amá-la. Ela não o amava, mas achava cômico o jeito dele.
- Oi, querida, está um sol e tanto hoje, não?!
- Pelo visto, você nunca fica sozinha. - disse com deboche o seu amor - .
- Vá embora. - disse calmamente dando um gole no chá - .
- O quê?! - disse o rapaz que acabara de chegar -.
- Você não, querido, ele.
- Ainda bem que não voltei atrás na minha decisão.

Saiu porta afora achando-se o maior idiota da paróquia e resolveu nunca mais voltar naquele apartamento e naquele coração. Seria difícil, claro, mas quando ninguém sabe o que se passa dentro de ti sempre é mais fácil; e nem ela sabia o quanto era amada por ele. Talvez, jamais o saberia. Atravessou a rua repleto de ciúmes e com os pés querendo dar meia volta, mas se foi por essa vida. Ela pegou uma cerveja para seu "amigo" semanal e tentou não chorar, e milagrosamente não chorou. Acendeu mais um cigarro, falava com a boca, enlouquecia-se com o álcool, e recordava com o coração.




"Pra você guardei o amor
Que nunca soube dar
O amor que tive e vi sem me deixar
Sentir sem conseguir provar
Sem entregar e repartir"

(Nando Reis)

Samstag, Januar 16, 2010

Inspirada em Bobók:

.






"... ainda persiste uma centelha invisível de vida..."

Freitag, Januar 15, 2010

A insistente delicadeza de Deus

There's such an air of spring about it
I can hear a lark somewhere...
(Ella Fitzgerald - Every time we say goodbye)


No finzinho da tarde com o sol escaldante já cedendo, eu compro apenas um cigarro: um Hollywood Red que era único na padaria perto. Em pé, na calçada, dando tragos no cigarro já pela metade, olho um pouco acima e vejo um vaso com girassóis na janelinha pequetita e delicada. Obrigada. Mesmo.

Donnerstag, Januar 14, 2010

Para um ano já cansado

Todos que me vêem põe a culpa nos livros que li por toda a minha vida, e tem sido uma vida longa e plena, ao menos essa canseira no peito acusa longos anos. E duros anos. Só que eu não sei bem aonde arranjei essa dureza de dias, quando se vê a metástase se deu e não há muito o que se fazer, não é mesmo? Eu sempre me canso dos conceitos que proponho. Cansei de falar da mentira, do amor segundo São Paulo, do sépia que é a vida por aqui e até de ter uma vida e não ter muito o que fazer com ela. E até há o que fazer: juntar trezentos pedaços que eu não sei como se desintegraram, tirar a poeira do vestido e arriscar um passinho de dança, quiçá de balé para continuar o caminho com alguma dignidade. Mas não é mais questão de dignidade, menos ainda de resignação. Ainda não sei do que se trata. Há algo de errado por aqui, não, não é bem errado, há algo que falta. Não, não é algo que falta. Tá. Há algo que não se encaixa. Não. Porque nada se encaixa nessa vida. Enquanto não descubro no que a vida se transformou continuo tentando. Não, mentira, nem tento. Por fim, se alguém estiver aí pare de remoer. Mais-que-droga-não-quero-ser-a-zombie-de-ninguém! Me faltam Cortázar, Dostoievski, Baricco para dizer com mais doçura que chega, quer dizer, de que adianta se meu nome ainda existe? As pessoas deveriam ser mais generosas e deixarem as outras livres, ao invés de prendê-las (melhor, tentar prendê-las) no corpo de outras. Liberdade. Achei, é isso que tem me faltado, mesmo que me remeta a medo.

Sonntag, Januar 10, 2010

Plucheando

Oração para quem nunca mais vai se achar nessa vida, especificadamente, oração para mim.


Senhor Deus, sim, sou eu
Sei que o senhor me escuta apesar dos pesares, porque ninguém mais escuta, nem eu tenho me escutado. Não estou querendo resmungar dessa vida não, porque entre tão poucos recebi a tua indicação e me sinto grata por isso, creia, sou-lhe grata.
Mas não dava para substituir o toque divino pelo toque de normalidade em mim? É inacreditável escutar isso, eu sei, já disse que não estou reclamando, mas só o senhor sabe como eu amo a simplicidade. E eu nunca tive. A culpa é minha que caminho para fora da simplicidade, estou cega, surda e tem muita gente que queria que eu estivesse muda também. Quiçá um dia fico, nunca me descobri tão simpática, tão humilde, tão acessível assim. E estou odiando. Quando eu falo simplicidade é beirando a leveza, não a humilhação, meu senhor.
Eu nunca quis a sua coroa, não, pelo seu amor!, não me ache soberba, não. Mas eu nunca quis, e tenho me coroado. E tenho me pregado. E tenho.
A pergunta é: como vou fazer para sair com vida dessa minha vida? Acho que dessa vez padeço pra sempre, viu. Não tenho mais dado conta e pontos finais tem feito meus olhos brilharem. Eles brilham também quando eu estuporo meu fígado. Minha dignidade tem ido junto com a urina que a cerveja produz. Engraçado isso, Deus, eu tenho dignidade suficiente para separar certo do errado, os bons dos maus, a verdade da mentira; mas dissolvo a dignidade que poderia me salvar no álcool. Me salvar.
Pega na minha mão? Sozinha não consigo mais. O senhor só produziu um corpo para mim. A alma é de outro, alguém não muito bom pelo visto. Alguém que também adoeceu em outros tempos. E não se salvou. Eu quero a minha chance e nem é chance para nada grandioso não. É para a leveza, lembra de como eu gostava dela? Os tempos eram menos difíceis e o coração menos orgulhoso. Eu sei que o senhor tem tentado, mas já não depende de mim, do senhor e nem de ninguém. Depende de quê? Ainda estou descobrindo. Por enquanto fique com meu pedido de perdão pela leviandade, pelo desajuste. Pega na minha mão.

amém.

Samstag, Januar 02, 2010

Sobre Marmieládov

É a personagem dostoievskiana que em minha opinião é a que mais obedece ao conceito de "homem no homem". Apesar da idéia maior, a idéia que gera o princípio de síncrise ao longo da obra Crime e Castigo que parte de Raskólnikov, é em Marmieládov que encontramos uma crise interna e desagregação de consciência grandes. Ele é o pai de Sônia, personagem que se prostitui para sustentar os irmãos pequenos e o alcoolismo do pai, é quem ao longo da obra vai dar redenção à Raskólnikov; bêbado e fracassado em todos os projetos da vida, Marmieládov vive pelos bares contando sua história para desconhecidos com o mais alto tom de sofrimento. Procura na vida não uma salvação, mas um castigo duro para si mesmo pelo seu alcoolismo e covardia diante da vida. Mas mesmo em sua covardia o que consigo ver em Marmieládov é dignidade. A personagem é antes de mais nada a primeira a reconhecer seus erros, sua doença, seus malogros e faz questão de cada minuto de sua vida chafurdar na mais profunda dor e humilhação na esperança que o seu fracasso seja não só redimido mas revertido em um martírio que leve ao perdão de si mesmo. Ou seja, ele crê que em seu sofrimento vai ser transformado em algo maior, em seu próprio oposto e assim salvar seus erros.
A sua desagregação de consciência não fica muito evidente no livro, a maioria ocupada na "übermenschidade" de Raskólnikov vê em Marmieládov apenas a figura de um bebum ridículo. Mas Fiódor foi tão genial que a figura de Marmieládov fica clara para quem presta atenção nos capítulos do livro. Ele não consegue sair de sua situação porque a quebra de consciência acaba por resultar em quebra de tempo, assim, ele nunca conseguirá consertar sua vida, pois a outra personagem dentro dele ("homem no homem") está lá apontando seu fracasso, sua imundidade, mas o que Marmieládov é (bêbado e perdedor) luta contra essa personagem dentro de si. Assim, ele tem uma vida e tem chances, mas já não sabe como viver essa vida independente da razão que tem dentro de si, que diante da perda de tempo e de sentido vira apenas resignação.Isso fica claro no seguinte trecho: "Entende, será que entende, meu caro senhor, o que significa não ter mais aonde ir?Pois é preciso que qualquer pessoa possa ter pelo menos aonde ir..." (Crime e Castigo, cap. V/S.49-51). Ao longo do tempo ele vai se movendo menos, a vontade de qualquer coisa (até mesmo de salvar seus filhos e sua esposa da miséria) vai se tornando menor até se perder no esquecimento. E assim se vai Marmieládov: seus pedaços de miséria se espalham pela rua de São Petesburgo. Um bêbado cheio de dignidade esmagado por um atropelamento.

Freitag, Januar 01, 2010

"Para nós todo amor do mundo"

Enganaram-se forte se pensaram que eu ia fazer um anexo completo do ano que partiu no máximo até os últimos dez minutos. Eu tão chorante no colo desse passado falo dele agora, tão agora que já passou, que já é 2010, que "calma passou tudo bem" e não tenho a mínima vergonha,rs. O que passou não foi nem de longe um aprendizado, porque dor não ensina nada a ninguém, não adianta fazer cara de bóia-fria e fingir que faz toda a diferença sofrer que não faz, viu. Foi um ano de encontros, ou melhor reencontros. Não vou eleger a banda do ano que passou porque o que ficou foi apenas uma música: Starlight do Muse. E um dia ainda volto a pegar dois aviões nessa vida pra ser livre-feliz e sair hoppipolando em qualquer interior dessa vida. Mas nada paga eu no meio do ENEL reconhecendo a senhorita Lyanna Carvalho pela mochila e perguntando "cê é a Ly né não?!"; não dou conta também de como a Aava é linda e o Azão mais lindo ainda e os dois um casal fofura-ever. Aliás, não dou conta de todo mundo sendo lindo comigo nessa vida aguentando meus porres até o céu, meu choro que nunca vai embora e meu desespero que nem eu mesma sei daonde vem. A frase que ficou e vai ser para o ano todo: "ter fé e ver coragem no amor"; porque pensamos que nunca é problema nosso mas é mais uma questão de fé do que de resignação. Não espero nada para esse ano, sou livre. Peguei na mão de Deus na virada e estou indo. E olha que eu chego lá um dia, hein.

Post Scriptum: Flazóca e Mayzóca, nunca saiam dessa minha vida, vocês são ela.