Montag, März 01, 2010

Nelson

Você entrou por aquele portão branco com a pele bronzeada de sol e mais magro, havia esperança nos seus olhos; ter saído daquele inferno de desconhecidos foi a melhor coisa que já lhe aconteceu, apesar dos olhares de desprezo de mamãe. Ela nunca gostou de você, sabe o que acontece quando se dá um passo fora da linha. Um copo a mais de cerveja, um cuba libre, vestígios de pó nas narinas, ninguém nunca se dignaria a te entender, por muito menos pregaram uma pessoa na cruz. E você não tinha fome, não queria café, não queria fazer barulho, não queria nem ao menos um lençol na cama, não queria também tomar banho. Mas era para não dar trabalho, para evitar o menosprezo do olhar e a culpa na consciência, afinal de contas você jamais poderia dormir o sono dos justos.
Antes zombávamos dos diferentes de você, agora zombamos de você porque você não tem mais coordenação motora, você a treme todo tempo, o que falta no fígado sobe para as mãos. E você fede, por isso não sentamos perto e jogamos sua toalha de banho no chão, como um porco imundo que nunca conseguirá atrair o mínimo de dignidade. E você pede desculpas por tudo, céus!, não adianta pedir desculpas, ela nunca vai te olhar com bondade e eu nunca vou olhar nos seus olhos porque você sou eu com os mesmos problemas e o mesmo fardo sem saída, sem solução. Eu prendo meu olhar para fora de ti, vou chorar, chorar de me acabar, chorar até você entender que não é culpa minha, não é culpa de mamãe, não é culpa de Deus e nem a culpa de ninguém, nem mesmo sua. Seu lábio inferior treme, suas roupas são para obesos, seu tênis está rasgado e você não se importa, você até dá uma risadinha de humildade; como se não houvesse mal algum estar em trapos, viver em trapos, viver por trapos e dispensar todas as chances de sair disso. Tanto que te acharam lá, naquele antro de pessoas como nós, vítimas do cansaço e da desmistificação, do trabalho rude que não tece mais as mãos e só serve para nos fazer suspirar até darmos conta que a vida não é um problema nosso. E costuma ser cruel com quem não acha. E vence. Eu choro todas as tardes com a sua imagem esparramada e constrangida no chão da sala, sem pedir um travesseiro, sem pedir ventilador, sem pedir nem um copo d'água, que não negaríamos se você não fosse quem você é, e eu sei que a negação até do copo d'água está no olhar; você nunca vai se dar uma chance de perdão: ou somos a vergonha absoluta ou lutamos contra a consciência da vergonha que sempre nos cerca, e para você nunca nunca haverão abraços.

1 Kommentar:

André hat gesagt…

Lindamente confessional.. Por que eu não consigo me expressar numa prosa tão poética assim?? Será porque nasci com um pênis no meio das pernas??