Sonntag, Januar 31, 2010

Do abuso de nós mesmos

"Sinto falta do conforto de estar triste."
(Frances Farmer will have her revenge on Seattle - Nirvana)



Não é - de longe - a liberdade que nos conduz ao malogro maior, supremo. É o que acumulamos e isso não tem nome. Vivemos abraçados um no outro, abraçados, entendem? Não é encostados, é abraçados. Por isso não é susto o que tomamos, caindo para trás sem ter onde apoiar. Ficamos sem o calor que temos dentro de nós e que só conseguimos sentir quando outrem reflete. Assim, não nos vemos mais, perdemos a noção completa de quem somos, porque não há mais a reflexão de nós mesmos. E permanecemos cegos às mágoas, estamos inertes à dor completa, se dói não vai doer mais como costumaria doer; a dor encontrou uma forma nova de destruir: ela não se faz mais presente, ela é um câncer mudo. Caminhamos porque é a única coisa que nos restou a fazer, mas se nesse caminho vão haver estupros (físicos e mentais) ou desintegração física, só nos damos conta tarde demais. Estamos muito magros, estamos todos doentes, nossos olhos são só pupilas, nossos corpos não são mais templos de Cristo, são pedaços de miséria. Somos todos mortos andantes de braços estendidos à procura de nossa imagem em algum abraço - diga-se de passagem que obviamente já tem dono(a) , somos Bobók sem a recíproca conversa dos mortos, somos monólogos de desgraças.

Donnerstag, Januar 28, 2010

Consciência (sem a desintegração)

"Que seja clemente o castigo, por tanto desperdício."
(Baricco)



Às vezes eu me pergunto para quê eu tenho raciocínio. Sério, eu consegui entender Dostoiévski mas isso vai fazer uma diferença mínima, levando-se em conta que entender Dostoiévski consiste em jogar na sua própria face que ou você é Marmieládov, ou você mata uma idosa fascista ou você entra no cemitério e começa uma conversa de humor negro com os mortos - levando em consideração cada opinião deles, claro - . Acabo de voltar de um estupro (isso é lacônico, diga-se de passagem) e com a impressão de ter a vida nas minhas mãos, não a minha, claro. O Walter, um menino aleatório por aí (mentira, madruguei para ir até o Galeão e tomar uma Heineken divina com ele, acompanhada de Camel, claro) não acha graça em eu ter vida alheia em mim, ele sabe que está certo. "De você eu espero tudo, Aninha"; acho que não só ele, tenho vivido de loucuras e nem são loucuras loucuras, são loucuras de uma intensidade de se descrever em algum livro que eu leria e isso é péssimo por consistir em loucuras que sem querer são auto-destrutivas. Eu não percebo os golpes duros que dou em mim mesma, acho que tenho usado maquiagem demais. Acho que não posso ter outra vida em mim, uma desintegração já basta. Haverá perdão para nós? Termino o post sentindo a carruagem por cima de mim em alguma rua de São Petersburgo.

Freitag, Januar 22, 2010

O ritual do eterno II

(Quem mesmo disse que a vida é contínua? Não lembro. Mas isso beira a uma obviedade alarmante. É assim: você caminha, há pedras; continua caminhando, há pedras. Até encontra alguém para caminhar. Daí as pedras se multiplicam. O dar de mãos se rompe, os dedos se desentrelaçam. Há pedras. Aí recomeçamos a caminhar mesmo assim, com pedras, com tudo, mas agora estamos apegados às pedras detrás, aquelas que machucaram as mãos dadas (e não os pés), temos aí não uma continuidade, não um ciclo, mas um joão-bobo de vida.)



Apagou o cigarro no cinzeiro perto das tintas, mais uma pincelada ali na direita. Um pouco mais de amarelo, já que a vida não podia ser sépia seus quadros eram. Foi buscar a xícara de chá de camomila na cozinha, estava sol. Claro que estar sol não faria mais diferença alguma nessa vida, mas estava. E não era sol de suar, era só um sol de adornar o céu e iluminar os olhos. Às vezes uma brisa ou outra roçava no seu penoir e fazia o tecido leve roçar nos próprios seios, o que lhe causava cócegas. Lá ventava, na outra cidade não, nunca mais.
Goles na xícara cheia de chá, limpar o pincel no pote d'água, melar de novo no amarelo. Viu uma sombra se mexer na fresta da porta. Nessas horas não era bom viver sozinha, mas pior era pensar nessa particularidade de solidão. A campainha tocou. Ajeitou a enorme trança no ombro direito, apertou o penoir longo e preto e abriu. O chão não sumiu, muito menos a respiração parou. Era uma cena óbvia demais e, claro, feliz demais. Mal completado um ano de casamento e ele estava ali na sua porta: ereto mas sem jeito, com as mãos nos bolsos e os olhos muito brilhantes. Ele queria sorrir, mas não era momento de rir para a mulher que tinha abandonado há um ano por puro ciúme imbecil e engano próprio. Ele entrou pela sala e ela lhe foi generosa. Estendeu os braços de porcelana, envolveu seu pescoço neles, sorriu e abraçou e abraçou, e de repente não haviam mais erros, mais enganos e nem mais pecados alheios no mundo. Havia somente aquela mulher tão branca, de estrutura tão frágil, envolvendo aquele homem tão homem, mas que parecia um menino em seus braços.
- Quer beber alguma coisa?
Lá se foi uma garrafa inteira de whisky e nenhuma explicação. Era preciso que não se estragasse o momento. Naquela hora qualquer explicação traria discussão e, assim, a coisa toda viraria vazio ou novela de má qualidade. Era preciso cuidar do momento como não se cuida da vida, era preciso cuidar bem. Risos leves, risos estridentes por pura traquinagem um com o outro, toques leves entre as mãos até elas ficarem finalmente entrelaçadas. Não haviam pedras, só almofadas fofas pelo chão em que estavam sentados. Mais um gole no copo de whisky, a música "Some of these days, you'll miss me honey..." tocando, sorrisos cruzados, olhos de piedade. Tarde demais, quando a vida foi voltar para espiar eles já estavam entrelaçados não só pelas mãos, mas todo o corpo. As mãos dele percorreram aquelas costas tão brancas e macias, os braços apertavam-lhe as costelas; era preciso não deixá-la escapar novamente. Ela achava graça da força do abraço dele e lhe beijava a face, a boca, o pescoço. O celular tocou, era ela.
- Preciso ir.
- Não te entendo, o que você veio fazer aqui então se não é para ficar pra sempre?
- Eu preciso ir.
Enquanto se vestia ela olhava-lhe com certa amargura que com todo o esforço do mundo tentava não aparentar. Vestiu o penoir de volta, pegou uma xícara de chá e foi observar na janela. A campainha tocou. A vida às vezes é uma criança sem noção da sua força de miséria. Era o rapaz que toda semana passava lá para beber cerveja e amá-la. Ela não o amava, mas achava cômico o jeito dele.
- Oi, querida, está um sol e tanto hoje, não?!
- Pelo visto, você nunca fica sozinha. - disse com deboche o seu amor - .
- Vá embora. - disse calmamente dando um gole no chá - .
- O quê?! - disse o rapaz que acabara de chegar -.
- Você não, querido, ele.
- Ainda bem que não voltei atrás na minha decisão.

Saiu porta afora achando-se o maior idiota da paróquia e resolveu nunca mais voltar naquele apartamento e naquele coração. Seria difícil, claro, mas quando ninguém sabe o que se passa dentro de ti sempre é mais fácil; e nem ela sabia o quanto era amada por ele. Talvez, jamais o saberia. Atravessou a rua repleto de ciúmes e com os pés querendo dar meia volta, mas se foi por essa vida. Ela pegou uma cerveja para seu "amigo" semanal e tentou não chorar, e milagrosamente não chorou. Acendeu mais um cigarro, falava com a boca, enlouquecia-se com o álcool, e recordava com o coração.




"Pra você guardei o amor
Que nunca soube dar
O amor que tive e vi sem me deixar
Sentir sem conseguir provar
Sem entregar e repartir"

(Nando Reis)

Samstag, Januar 16, 2010

Inspirada em Bobók:

.






"... ainda persiste uma centelha invisível de vida..."

Freitag, Januar 15, 2010

A insistente delicadeza de Deus

There's such an air of spring about it
I can hear a lark somewhere...
(Ella Fitzgerald - Every time we say goodbye)


No finzinho da tarde com o sol escaldante já cedendo, eu compro apenas um cigarro: um Hollywood Red que era único na padaria perto. Em pé, na calçada, dando tragos no cigarro já pela metade, olho um pouco acima e vejo um vaso com girassóis na janelinha pequetita e delicada. Obrigada. Mesmo.

Donnerstag, Januar 14, 2010

Para um ano já cansado

Todos que me vêem põe a culpa nos livros que li por toda a minha vida, e tem sido uma vida longa e plena, ao menos essa canseira no peito acusa longos anos. E duros anos. Só que eu não sei bem aonde arranjei essa dureza de dias, quando se vê a metástase se deu e não há muito o que se fazer, não é mesmo? Eu sempre me canso dos conceitos que proponho. Cansei de falar da mentira, do amor segundo São Paulo, do sépia que é a vida por aqui e até de ter uma vida e não ter muito o que fazer com ela. E até há o que fazer: juntar trezentos pedaços que eu não sei como se desintegraram, tirar a poeira do vestido e arriscar um passinho de dança, quiçá de balé para continuar o caminho com alguma dignidade. Mas não é mais questão de dignidade, menos ainda de resignação. Ainda não sei do que se trata. Há algo de errado por aqui, não, não é bem errado, há algo que falta. Não, não é algo que falta. Tá. Há algo que não se encaixa. Não. Porque nada se encaixa nessa vida. Enquanto não descubro no que a vida se transformou continuo tentando. Não, mentira, nem tento. Por fim, se alguém estiver aí pare de remoer. Mais-que-droga-não-quero-ser-a-zombie-de-ninguém! Me faltam Cortázar, Dostoievski, Baricco para dizer com mais doçura que chega, quer dizer, de que adianta se meu nome ainda existe? As pessoas deveriam ser mais generosas e deixarem as outras livres, ao invés de prendê-las (melhor, tentar prendê-las) no corpo de outras. Liberdade. Achei, é isso que tem me faltado, mesmo que me remeta a medo.

Sonntag, Januar 10, 2010

Plucheando

Oração para quem nunca mais vai se achar nessa vida, especificadamente, oração para mim.


Senhor Deus, sim, sou eu
Sei que o senhor me escuta apesar dos pesares, porque ninguém mais escuta, nem eu tenho me escutado. Não estou querendo resmungar dessa vida não, porque entre tão poucos recebi a tua indicação e me sinto grata por isso, creia, sou-lhe grata.
Mas não dava para substituir o toque divino pelo toque de normalidade em mim? É inacreditável escutar isso, eu sei, já disse que não estou reclamando, mas só o senhor sabe como eu amo a simplicidade. E eu nunca tive. A culpa é minha que caminho para fora da simplicidade, estou cega, surda e tem muita gente que queria que eu estivesse muda também. Quiçá um dia fico, nunca me descobri tão simpática, tão humilde, tão acessível assim. E estou odiando. Quando eu falo simplicidade é beirando a leveza, não a humilhação, meu senhor.
Eu nunca quis a sua coroa, não, pelo seu amor!, não me ache soberba, não. Mas eu nunca quis, e tenho me coroado. E tenho me pregado. E tenho.
A pergunta é: como vou fazer para sair com vida dessa minha vida? Acho que dessa vez padeço pra sempre, viu. Não tenho mais dado conta e pontos finais tem feito meus olhos brilharem. Eles brilham também quando eu estuporo meu fígado. Minha dignidade tem ido junto com a urina que a cerveja produz. Engraçado isso, Deus, eu tenho dignidade suficiente para separar certo do errado, os bons dos maus, a verdade da mentira; mas dissolvo a dignidade que poderia me salvar no álcool. Me salvar.
Pega na minha mão? Sozinha não consigo mais. O senhor só produziu um corpo para mim. A alma é de outro, alguém não muito bom pelo visto. Alguém que também adoeceu em outros tempos. E não se salvou. Eu quero a minha chance e nem é chance para nada grandioso não. É para a leveza, lembra de como eu gostava dela? Os tempos eram menos difíceis e o coração menos orgulhoso. Eu sei que o senhor tem tentado, mas já não depende de mim, do senhor e nem de ninguém. Depende de quê? Ainda estou descobrindo. Por enquanto fique com meu pedido de perdão pela leviandade, pelo desajuste. Pega na minha mão.

amém.

Samstag, Januar 02, 2010

Sobre Marmieládov

É a personagem dostoievskiana que em minha opinião é a que mais obedece ao conceito de "homem no homem". Apesar da idéia maior, a idéia que gera o princípio de síncrise ao longo da obra Crime e Castigo que parte de Raskólnikov, é em Marmieládov que encontramos uma crise interna e desagregação de consciência grandes. Ele é o pai de Sônia, personagem que se prostitui para sustentar os irmãos pequenos e o alcoolismo do pai, é quem ao longo da obra vai dar redenção à Raskólnikov; bêbado e fracassado em todos os projetos da vida, Marmieládov vive pelos bares contando sua história para desconhecidos com o mais alto tom de sofrimento. Procura na vida não uma salvação, mas um castigo duro para si mesmo pelo seu alcoolismo e covardia diante da vida. Mas mesmo em sua covardia o que consigo ver em Marmieládov é dignidade. A personagem é antes de mais nada a primeira a reconhecer seus erros, sua doença, seus malogros e faz questão de cada minuto de sua vida chafurdar na mais profunda dor e humilhação na esperança que o seu fracasso seja não só redimido mas revertido em um martírio que leve ao perdão de si mesmo. Ou seja, ele crê que em seu sofrimento vai ser transformado em algo maior, em seu próprio oposto e assim salvar seus erros.
A sua desagregação de consciência não fica muito evidente no livro, a maioria ocupada na "übermenschidade" de Raskólnikov vê em Marmieládov apenas a figura de um bebum ridículo. Mas Fiódor foi tão genial que a figura de Marmieládov fica clara para quem presta atenção nos capítulos do livro. Ele não consegue sair de sua situação porque a quebra de consciência acaba por resultar em quebra de tempo, assim, ele nunca conseguirá consertar sua vida, pois a outra personagem dentro dele ("homem no homem") está lá apontando seu fracasso, sua imundidade, mas o que Marmieládov é (bêbado e perdedor) luta contra essa personagem dentro de si. Assim, ele tem uma vida e tem chances, mas já não sabe como viver essa vida independente da razão que tem dentro de si, que diante da perda de tempo e de sentido vira apenas resignação.Isso fica claro no seguinte trecho: "Entende, será que entende, meu caro senhor, o que significa não ter mais aonde ir?Pois é preciso que qualquer pessoa possa ter pelo menos aonde ir..." (Crime e Castigo, cap. V/S.49-51). Ao longo do tempo ele vai se movendo menos, a vontade de qualquer coisa (até mesmo de salvar seus filhos e sua esposa da miséria) vai se tornando menor até se perder no esquecimento. E assim se vai Marmieládov: seus pedaços de miséria se espalham pela rua de São Petesburgo. Um bêbado cheio de dignidade esmagado por um atropelamento.

Freitag, Januar 01, 2010

"Para nós todo amor do mundo"

Enganaram-se forte se pensaram que eu ia fazer um anexo completo do ano que partiu no máximo até os últimos dez minutos. Eu tão chorante no colo desse passado falo dele agora, tão agora que já passou, que já é 2010, que "calma passou tudo bem" e não tenho a mínima vergonha,rs. O que passou não foi nem de longe um aprendizado, porque dor não ensina nada a ninguém, não adianta fazer cara de bóia-fria e fingir que faz toda a diferença sofrer que não faz, viu. Foi um ano de encontros, ou melhor reencontros. Não vou eleger a banda do ano que passou porque o que ficou foi apenas uma música: Starlight do Muse. E um dia ainda volto a pegar dois aviões nessa vida pra ser livre-feliz e sair hoppipolando em qualquer interior dessa vida. Mas nada paga eu no meio do ENEL reconhecendo a senhorita Lyanna Carvalho pela mochila e perguntando "cê é a Ly né não?!"; não dou conta também de como a Aava é linda e o Azão mais lindo ainda e os dois um casal fofura-ever. Aliás, não dou conta de todo mundo sendo lindo comigo nessa vida aguentando meus porres até o céu, meu choro que nunca vai embora e meu desespero que nem eu mesma sei daonde vem. A frase que ficou e vai ser para o ano todo: "ter fé e ver coragem no amor"; porque pensamos que nunca é problema nosso mas é mais uma questão de fé do que de resignação. Não espero nada para esse ano, sou livre. Peguei na mão de Deus na virada e estou indo. E olha que eu chego lá um dia, hein.

Post Scriptum: Flazóca e Mayzóca, nunca saiam dessa minha vida, vocês são ela.