Donnerstag, August 27, 2009

Black holes and revelations

"Foi assim que vocês todos morreram antes do tempo.
Foi assim que eu não morri."
{ Triângulo das águas; C. F. Abreu}


Ontem foi domingo, dia de missa. Puxei mamãe até a igreja e o altar estava em obra. Queria tirar o peso de sabe-se-que-lá cavou o último buraco em mim, se era buraco ao menos devia haver leveza.
Ontem foi domingo, dia de missa. Guardei o blush e o lápis de olho com um terrível medo cristão de que isso fosse se somar aos meus pecados. O bispo deu um sermão que eu não compreendi, mentira, até compreendi mas toda a virtude ricocheteava vã em algum lugar de mim ou passava direto.
Ontem foi domingo, dia de missa. E o corpo de Cristo foi oferecido aos fiéis, eu não o quis. De repente tudo pareceu muito mecânico, eu estava vazia e queria ver aquela imagem de Jesus crucificado que havia atrás das cortinas de obra. Eu queria me lembrar de como eram todos os estigmas e o rosto firme, cheio de abnegação e amor; queria também me lembrar do que vinha antes do martírio.
Ontem foi domingo, dia de missa. O que vem antes são as palavras e quando me dei conta os olhos lacrimejaram, e eu esqueci o meu nome. O bispo me olhou - " um homem que me olha e não me mata"¹ - , bem na hora em que o coro dizia: " Mas diz uma palavra e serei salvo". Eu recebi tantos pecados e distribui tantos perdões que resolvi reproduzir pecados e deixar o perdão para o rapaz com os braços pregados na cruz.
Ontem foi quarta e não domingo. Eu sou um ser humano e burlo todos os mandamentos divinos. O tempo agora pára nos espaços de hora em que se dão os surtos de lucidez. À minha frente um homem que reza a missa, " que me olha e não me mata", a última coisa entre as coisas boas que um dia ofereci me matou antes. " O amor é bom, não quer o mal, não sente inveja ou se envaidece..."; onde foi que desbotou então? " Um homem que me olha e não me mata", e um sol loiro, gotejante. Lá fora, invadindo a sala.



¹: Trecho de "Oceano Mar", Baricco.

Samstag, August 22, 2009

O verdadeiro fantoche

Texto em homenagem à Edu Levy, grande escritor a quem devo metade ( ou mais) do meu acervo cultural.


Diante de grandes reportagens acerca do vício em internet me veio à tona a verdade pura e simples: ela é apenas uma ferramenta a qual usamos a bel-prazer. Ao contrário de toda a paranóia em que há a confirmação de que ficamos bitolados e até mesmo de que somos controlados pelos meios de comunicação, o fato é totalmente reverso. O vício está completamente presente, no entanto, ele começa com uma simples necessidade de auto-afirmação online, meios em que colocamos fotos nossas que não são nossas, compartilhamos gostos que nem ao menos conhecemos e mantemos vínculos superficiais com pessoas as quais falamos menos que Grüβ Gott!.
Quanto ao caso das fotos, isso já está em níveis de cara de pau. Meninas à beira da obesidade se tornam musas malhadas, quase um corpo esculpido na época da Roma antiga. Quando vemos a versão real, alguma coisa cai em nós - e os homens sabem exatamente do que estou falando, com o perdão da piada-. Com os gostos pessoais então a situação é gritante, se metade das pessoas escutassem Sigur Rós ou Pavement como vejo pelos perfis orkutianos, eu garanto, essas bandas já teriam se apresentado no Citibank Hall ( com o NX Zero fazendo a abertura, digno!).
Sabe-se que isso tudo vai muito além da auto-projeção perfeita de meros mortais flagelados pelo bullying ou pela falta de uma dieta decente. Já vi pessoas fantásticas terem a sua moral e dignidade enlameadas por pura fofoca e má interpretação, e pior, por pessoas que desconhecem qualquer nível de qualidade adjetiva. Outra: já fui endeusada e também tive minha existência questionada; aliás, uns meses atrás fui dada como morta pelo orkut, até meus amigos reais creram em tal fato.
Entretanto, o melhor de tudo são os recalcados com os antigos relacionamentos. Esses rendem risos durante pelo menos o resto da semana ( experiência própria). Aliás, melhores amigos, cuidado!, agora com o orkut não cabem mais a vocês brincarem de disse-me-disse. Quer chamar a atenção do(a) ex? É so atualizar seu profile! E ainda pode escolher se vai xingar, reclamar, dizer quantas vezes o cretino broxou, ou ainda, você pode fingir que amadureceu com o fim do relacionamento e pagar de intelectual com alguma frase do Pessoa. Ou tirar fotos com um amigo gay e trocar o status para commited, "estamos muito felizes, ele me traz bombons todos os dias, danke schön!". Como se pudessem escolher uma Julieta, uma Beatriz; já dizia Cortázar. Defitivamente, nós somos os ventrílocos.

Samstag, August 15, 2009

Müdigkeit

Em homenagem à aula de alemão daqui a pouco, deixo a versão "cansaço" deutschliana para vocês. Passei o mês inteiro falando, olhando e contando navios. Só porque o Dood disse que eles são os olhos do mar, e a associação que eu fiz com um poema do Maiakóvski sobre "as maçãs do rosto do oceano" fez muito sentido. Complementando tinha um enorme sol loiro fazendo uma passarela sépia no meio no mar. Eu concluí que aquilo seria a sua silhueta.
A vida tem cheirado mal e perdeu o sabor. Sabe-se lá pelo quê eu não consigo mais assimilar nada em minha volta que não seja café, álcool, cigarros. E quando acabo de utilizar estes entro em estado de desespero do tipo "só isso?", a vida devia ter algo mais a oferecer, mas não tem. É claro que tem ( minha voz católica sopra aqui ao lado), é uma questão - antes de tudo- de abnegação. Aquela coisa toda do amor pobre, da hybris nunca bem vinda e de ser muito mais fácil ser um santo do que ser um humano. Há um humano querendo gritar dentro de mim, aliás, muitos humanos gritam dentro de mim... No entanto, voltar arrasada por ser espancada por uma multidão é complicado, ainda, os cortes e hematomas mal aparecem, se perdem em algum lugar do corpo e depois formam uma hemorragia ou um câncer. Voltam em forma de Wort ( palavra) e acaba fuzilando outro humano, que mais tarde soma-se aos outros gritando dentro de mim. Último gole no café ( muito aguado por sinal). Auf Wiedersehen.

Samstag, August 01, 2009

Atrás

" Meu Deus, mas como você me dói de vez em quando!"
C. F. Abreu



A diferença não estava mais em entrar no ônibus ou não, avisar ou não, São Paulo ou Curitiba, delineador ou lápis de olho. Os olhos iam terminar inundados de qualquer forma, assim como iria também inundar algo dentro de si, e ela nem sabia bem o que era. Inundou tanto que ela teve que tirar as sandálias e esfregar as plantas dos pés em cada paralelepípedo da rua. Contou as linhas da faixa de pedestre e se perguntou por que o pôr-do-sol era tão mais bonito lá. Era lá que ele estava e ele ficou com tudo, não foi? Ficou com a calma, com o pôr-do-sol e o cheiro de algo que continha vida. Você teve que se conformar com o vapor do monóxido de carbono que queimava as suas narinas, assim como o seu cigarro. Só restou isso e uma enorme expressão nauseada diante do mundo e você nunca ao menos se envergonhou disso.
Talvez por isso você tenha tomado o expresso de um gole só, talvez por isso você queria chorar pelas ruas, pela beleza e não pelo encontro. E você nem o sacudiu ou esbofeteou. Nem abraçou. Você não queria se levantar daquele banquinho tão banquinho, tão branquinho. Era muito feio tudo aquilo, mas ficou bonito porque ele chorou, ele sempre chorou, sua boba. O finalmente abraço foi de tão perfeito encaixe que a natureza tratou de tirar uma foto, vocês deviam tanto uma foto à natureza... Vocês também deviam uma união à ela. E tudo ficou num tatear de mãos pelo rosto, pelo pescoço, pelas nádegas e pernas.
Ficou a certeza drástica do amor, não pelas fantasias mas pelas certezas. Numa linha tênue e paradoxal temos uma visão microscópica de algo sensível, palpável e nunca mutável. E ainda a telescopia de ver muito longe - mas ainda assim enxergando com firmeza - aquilo que realmente é. Sem devaneios ou palpites. Assim ela mordia o alto de seu ombro, não como um gesto amoroso, mas como tentativa de levar aquele pedaço de carne dura consigo, como um belo souvenir. E essa carne tinha gosto de tecido mal passado, salgado ( pelas lágrimas que caíam em cima) e de chegada. Ela queria gritar " covarde!", mas as lágrimas nem demoraram assim como o rancor. Um sorriso, muitos beijos, um perdão de cada lado e certezas, finalmente certezas! Eles sentaram-se sobre o paralelepípedo esperando que um caminhão os atravessasse. Não era morte mórbida, era descobrimento da vida, e de coisas feias que nela também haviam: mentira, desilusão, desamor. Mas nada disso lhes pertencia e esse foi o motivo da morte. Já chegaram ao final da busca, não só isso: morderiam-se, colariam-se em um interminável abraço, copulariam como quadrúpedes e morreriam.
- Chegamos ao fim, meu bem.
- Agora sim.