Dienstag, Juni 30, 2009

Você

Você já acorda com a face banhada em pranto, e fica ora olhando as pernas compridas e magras, ora a janela. E você olha tão densamente a paisagem que acaba por se tornar uma, todos ficam encabulados e sem entender bem o que se passa, como alguém pode manter por tanto tempo esse olhar raso.
Você fecha os dedos no ar para tentar sentir as imagens e termina assustada, amuada e acusada de loucura. Ninguém consegue compreender que realmente não faz sentido e que é preciso tocar para que não se sinta enganado pela vida. Mas é miragem, você chora e quando se comovem trata logo de abrir duas covinhas no rosto cor-de-leite.
Você costumava ser feliz e viver a vida, tão-somente vida, sem mistificação. Você costumava perdoar, você costumava chorar. Você costumava se importar também e enxergar. Você costumava até sorrir, mas não era como um reflexo, era verdadeiro. Eu não sou mais você, porque afinal de contas "eu" ou "você" é quem está com a palavra e permaneço muda. Cega e surda, porque as imagens e sons distorcidos, irreais e controlados pelo Grande Ego também são uma invalidez. Cega, surda, louca, chorosa. Você. Permaneço muda.

Montag, Juni 29, 2009

Parafraseando Camus:

(...)




É preciso imaginar Ana feliz.

Sonntag, Juni 28, 2009

Mutter II

"Mas Jesus me fez, então
Jesus me salve da pena, da compaixão
E das pessoas comentando sobre mim"
( November spawned a monster - Morrissey)



"Olá, mamãe?", foi o que tentei dizer forçando um sorriso, com os pequeninos lábios ainda cobertos de batom e com os cantos feridos pelas bofetadas, mamãe. E quando levei os dedos à boca para secar as gotículas de sangue, pude notar que meus braços outrora tão brancos estavam com grossos ematomas roxos que poderiam ter sido evitados, mas você mal me olhou no rosto, mamãe... Pegou-me pelos braços e as palavras e vírgulas eram na verdade tapas e esmurros, e então eu caí de joelhos, mamãe.E tudo isso contrastando com meu vestido florido já amassado da noite, o sutiã preto rendado por debaixo e o delineador escorrendo me fez ficar triste, te fez ficar triste e todos choramos juntos.
Mas por que seus braços me sacodem desse jeito, mamãe? Pare. Eu não estou entendendo muito bem todas as coisas: dos objetos à seu rosto inflamado de fúria; e não sei se é resquício do whisky barato ou se o mundo agora parece confuso com seus gritos. Eu não queria mamãe, mas não sei muito bem o que não queria, pois não me vem à memória nada de tão vergonhoso ou errado. Ah mamãe...! Vem, assim... Não precisa chorar, eu sei que você não queria, eu sei. Ninguém tem culpa: eu não tenho, você não tem, muito menos Deus... Você sabe que se eu pudesse eu nasceria novamente, mamãe. Roupas decentes, nenhuma tatuagem, fígado e pulmão intactos; eu o faria por você... juro que faria. No entanto, isso seria retroceder e quando voltamos ao passado ele sempre nos esmaga, e eu prefiro sempre a forma mais lenta para decair, mamãe.
Eu lhe dei tudo, mamãe. Sei que não foi nada, porque tudo que há em mim fica para mim e só Deus sabe o quanto é bom eu guardar o que é meu só para mim. Pois isso explica de maneira óbvia porque você não me quer tanto assim. Você algum dia quis? Algum dia... você... poderia?

Montag, Juni 22, 2009

Com o perdão dos clichés

"Manchei o mapa quotidiano
jogando-lhe a tinta de um frasco
e mostrei oblíquas num prato as maçãs do rosto do oceano."
{ Maiakóvski}


Somos pedaços do que um dia iríamos ser. Nietzsche tinha razão em considerar a tragédia uma imitação perfeita da vida, que seria irreversivelmente descontínua. Por isso bradamos com os olhos cheios d'água ao ver uma cena de teatro com aforismos. É exigir demais do nosso organismo emocional essa expansão de sentimentos já tão mortos, mortos? Não... desgostosos mesmo. Quando um alimento sem gosto rola pela boca, cuspimos ou engolimos. E nem conotem de forma positiva: não é a pressa de se livrar, é que não faz mais nada então, rejeitado ele some.
Somos partículas de nada. Me pego, me olho. Grito meu nome. Falo com os transeuntes. Falo mais de uma vez. É como se carne, olhos e voz não fossem nada. É como o mito da raça de ouro de Hesíodo¹ : morremos fartos de dias e mesmo assim continuamos vagando como belos fantasmas. É como arrogância, que migrou para o egocentrismo, que migrou para uma indiferença doce mas ainda assim indiferença.
Esperei demais de mim e superei. Agora nada posso pedir de vocês, o que eu poderia? Já me dei tudo, já fui tudo, já me basto. Uma criancinha balança os gordos bracinhos para o pai: já sei o que me falta, mas perdeu o gosto, enrolou na boca, desceu direto e entupiu o coração.


¹ ver " Os trabalhos e os dias" Hesíodo.

Montag, Juni 15, 2009

Semi-ótica

- Eu te amo.
- Oi?
- Foi bom ter te encontrado.
- Quê?
- Você é linda...
- Oi?
- Eu me casaria com você.
- Quê?
- Eu tenho um problema...
[trago no cigarro]

- Oi?
- Eu tenho um problema.
- Quê?
- Eu-tenho-um-problema!
- Ah, meu bem...

Dienstag, Juni 02, 2009

Mutter

É mamãe, você esperava bem mais. Porque nove meses e um peso de três quilos foram coisas demais para se suportar em vão. E se você pudesse adivinhar dentre os ares tranqüilos que inspirava para dentro que eu não iria, de longe, ficar para sempre com bochechas rosadas e gordas, bem...Você não o faria. Na verdade você nunca o quis. Porque era para ser um menino e nem meu órgão genital correspondeu bem ao que você esperava. Assim como as minhas bochechas que são rosadas, mas de tanto blush.
Ah, mamãe!, você me ensinou os primeiros princípios do capitalismo. Me obrigou a decorar toda a tabuada quando eu só tinha 6 anos. Em troca, eu poderia ver o desenho. Espera, eu só tinha vinte minutos para decorar toda a tabuada e um cérebro inocente e pequeno demais para guardar tanta informação. Mas eu guardei, mamãe. Porque eu não suportaria mais um olhar de desprezo e hoje já me bastam estes que você me lança quando eu volto da rua tão bebum. Papai olha rindo, porque já sabe que não há muito o que se fazer, no entanto, você se sente fracassada diante de um fígado tão inchado. Qualquer um diria que eu sou uma maravilhosa jovem, mamãe. Mesmo a magreza excessiva, os olhos tão distantes e o corpo encharcado de entorpecentes fascinam as pessoas. Mas não contigo, mamãe, pois sempre estive muito aquém de lhe agradar.
Agora você sai da cozinha para fazer sua reza. Não que eu me importe, porque eu também rezo, mamãe. Para Jesus guardar um pouco sua dor para depois e te poupar da humilhação de ter gerado uma junkie. Os filhos das suas amigas não estudam, mas também não se destroem como eu, não é? E a linha entre não ter cérebro e não dar valor à própria existência nem chega a ser tênue. Você poderia, oh Deus...você poderia? Deus... me perdoar?