Donnerstag, Februar 25, 2010

Estamos sempre chorando no colo do passado

Eu disse isso em diversos textos e Calvino (o Ítalo, vejam bem) me reiterou:




" - Você avança com a cabeça para trás?- ou então: - O que você vê está sempre às suas costas?- ou melhor: - A sua viagem só se dá no passado?

Tudo isso para que Marco Polo pudesse explicar ou imaginar explicar a si mesmo ou ser imaginado explicando ou finalmente conseguir explicar a si mesmo que aquilo que ele procurava estava diante de si, e, mesmo que se tratasse do passado, era um passado que mudava à medida que ele prosseguia a sua viagem, porque o passado do viajante muda de acordo com o itinerário realizado, não o passado recente ao qual cada dia que passa acrescenta um dia, mas um passado mais remoto. Ao chegar a uma nova cidade, o viajante reencontra um passado que não lembrava existir: a surpresa daquilo que você deixou de ser ou deixou de possuir revela-se nos lugares estranhos, não nos conhecidos.
Marco entra numa cidade, vê alguém numa praça que vive uma vida ou um instante que poderiam ser seus; ele podia estar no lugar daquele homem se tivesse parado no tempo tanto tempo atrás, ou então se tanto tempo atrás numa encruzilhada tivesse tomado uma estrada em vez de outra e depois de uma longa viagem se encontrasse no lugar daquele homem e naquela praça.
Agora, desse passado real ou hipotético, ele está excluído; não pode parar; deve prosseguir até uma outra cidade em que outro passado aguarda por ele, ou algo que talvez fosse um possível futuro e que agora é o presente de outra pessoa. Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos.
- Você viaja para reviver seu passado?- era, a esta altura, a pergunta do Khan, que também podia ser formulada da seguinte maneira: - Você viaja para reencontrar o seu futuro?
E a resposta de Marco:
- Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá."


("As cidades invisíveis" - Ítalo Calvino; p.28-29/ tradução: Diogo Mainardi)

Dienstag, Februar 23, 2010

Parafraseando Dostoiévski:

Ainda resta alguma centelha de mistificação...


A vida mostrou toda a sua imensidão nos últimos dias, de uma fluidez gritante. Ela continua com pernas enormes, sai correndo de mim; eu corro (com meu pulmão estragado) para alcançá-la, ela não me espera, eu paro e faço um sinal irônico de "sim, senhora!" à ela. O Pedro tem me dado ajudas estratosféricas para que a vida seja um pouco mais doce - mesmo que não haja mais sonhos -. Meus amigos dizem que eu estou livre, depois perguntam se eu realmente estou livre. O Paul está na Indonésia e eu morro de saudades, prometeu que quando voltar vem ao Brasil conhecer Mutter und Vater; talvez eu volte com ele para a Holanda, a verdade é que sinto o Brasil como uma caixa de papelão inútil e o calor excessivo deu corda a metáfora do "sufocamento", rs. O que eu mais queria, na verdade, é adornar meus olhos com toda a arquitetura antiga de Armstedã ou Nürberg; deitar no gelo e ver o céu completamente cinzento, sem lutas com o sol, um cinzento com uma dignidade que não encontro no céu daqui. Já recomeço a sonhar, catando partes da alma no velho continente.

Freitag, Februar 12, 2010

Arrumando as malas...

Now I never leave my zone we're both alone I'm going home...
I wish I'd never seen your face...

Elliot Smith - Waltz #1





Dessa vez para aqui perto, litoral. Todos meus vestidos e maquiagens não couberam na mala, ainda estou procurando meu bíquini verde de bolinhas brancas e está calor, muito calor. Amanhã eu levanto com o sol e sorrio pra vida; não estou indo abraçar ninguém. Bateu a saudade e eu vou para o mar.


(...)

Lá vai ventar como no sonho.

Mittwoch, Februar 10, 2010

Eu como fracasso da mídia

Nasci um romance, tornei-me uma Capricho.



Abri este blog por influência de um amigo, o conservador de direita Levy, a quem devo metade de meu acervo cultural; também por influência da Ly, a quem devo metade de minha sensibilidade não só para mim, mas para com os outros. O primeiro texto desse blog é um artigo sobre um filme, um artigo que hoje em dia considero mal escrito, mas ainda assim um artigo. Logo, minha fama cresceu devido ao heterônimo Felluina, que se tratava apenas de um nome e tão-somente nome e alguns aforismos sarcásticos. Felluina arrebentou corações masculinos e femininos, levando-se em conta que os masculinos estavam acompanhados dos femininos, assim, uma leva de quase-fãs se formou. Era para eu ser imensamente grata por isso, não? Ora essa, nunca escrevi um livro, ainda me encontro em Língua Portuguesa III na Universidade e ainda nem li todas as obras dostoievskianas; mas obviamente, se tratando de mim, a coisa sempre vai para o lado mais vergonhoso da força. Sinto-me enojada. Sinto-me Avril Lavigne como salvação do rock, ainda: sinto-me Clarice Lispector que depois de tantos sofrimentos e devaneios escritos terminou servindo de lacuna a ser completada em orkuts medíocres. Claro que não levo orkut ou qualquer outro meio de comunicação a sério, mas um medíocre é um medíocre em qualquer lugar que pare. Mais além, um medíocre sempre será reconhecido por alguém com o verdadeiro talento. Já dizia o velho ditado romano: "In omni re uincit imitationem ueritas." Quando vi esta frase na aula de latim quase apontei e disse "é isso! é isso!"; a maioria dos meus amigos não me acham arrogante porque sabem do que falo, aliás, eles vêem a tentativa vã de novas "Anas" e "Felluinas" por aí, vêem e riem da minha cara perplexa diante de tanto amor (?) à minha pessoa. Nunca quis ser a dona da verdade, só queria escrever um livro, fazer alguns artigos e entender a verdade absoluta de cada livro. Ao invés disso, sou modelo de currículo para um bando de afetados sem talento, fazem qualquer notícia boba sobre mim virar um escândalo de página de jornal e ainda cospem no prato que comem. Sério, não seria mais educado sentar e pedir indicações minhas como eu fiz com os que me ensinaram parte de tudo? Porque uma coisa é nascer sem talento e persistir decentemente para montar aquilo que almeja, outra bem diferente é nascer sem talento (a indicação divina que eu tanto falo) e achar que copiando meus trejeitos, maquiagens e roupas é o suficiente. Terei o mesmo fim da Lispector: divorciada, com uma leva de fãs vergonhosos e um câncer.

Freitag, Februar 05, 2010

Do Orgulho, ou regeneração do Grande Ego

Tenho uma bolsa preta que está desbotada. Ela cheira a tabaco, na verdade, há restos de tabaco em toda a bolsa. Há restos de tabaco também nas outras bolsas, nos cantos de minha gaveta, às vezes em meus bolsos. Meu cabelo cheira a xampu, mas também cheira a tabaco. Kicilla disse que "essas coisas não passam!"; e meus olhos lavaram o celular. Kicilla ficou preocupada com meu olhar-de-animal-em-caçada para fora da janela do ônibus. Eu não aceitei o abraço dela, eu disse um "não!" sonoro, porque na pior das hipóteses a única coisa pior que não estar bem é aparentar não estar bem e ganhar um bônus por isso.
Querem falar sobre saudade? Richtig. Ela vai sumir, não a saudade, mas a palavra. Tem cada dia mais e mais beirado a nostalgia. Porque ela só tem doído em todos nós, ela tem sido lembranças, ela tem remetido à tristeza pura e simples. Construímos nossas vidas arrancando os órgãos do passado, ambos saímos muito machucados. Tento imaginar a cara do passado quando eu lhe arranco os pedaços, a imagem que me vem é a de um velho resignado. Ambos sentindo auto-comiseração até resolver fechar o acordo da não-memória. E ainda falam mal do Grande Ego; ora, estou salvando o passado. Meu passado está inteiro, com uma expressão vívida e feliz. Ele parece não gostar, eles parecem não gostar. O passado tem uma vida e não sabe como vivê-la. Alguma parte de mim sente saudade; eu disse saudade, não nostalgia. Incrível como certas coisas são muito inteiras dentro de mim. As pessoas acham que têm que decorar o Houaiss para falar comigo, viverei de aforismos e uma grande pose: cara de passado sendo dilacerado, um cigarro na mão e um conhaque na outra; pra não deixar de ser doce.