Freitag, Januar 30, 2009

" Hoje acordei lúcido" ; Pessoa

O filtro amarelo do Camel continuava entre meus dedos. Cílios úmidos, apertados. Sentada com "perninha-de-índio", mas acho que os índios não têm pernas tão finas. Tentei levantar, entretanto, antes mesmo que os dois pés firmassem no chão eu caí com as pernas cruzadas e lá fiquei. Morria de medo de me olhar no espelho, porque o tempo estava nublado e a luz fria desse tempo me deixa mais branca, quase azulada, igual a uma imagem, uma figura decorativa. E é tudo o que tenho sido nos últimos anos, daqui do pedestal.
A Ludy disse que não merece nenhuma das desgraças que lhe acontecem. Eu concordo. Mas nem posso arquejar e falar que também não mereço, porque mereço e muito. E a cada palavra, cada ação, estremeço ao imaginar o revés que me aguarda. Na verdade, mesmo que eu nada fizesse ou falasse resultaria em malogro. É o preço a se pagar por ter virado as costas à natureza, essa dívida eu nunca pude pagar e por isso sempre ajoelho diante do crucifixo pedindo uma audiência. Deus com toda sua doçura me traz paz, paciência. Ele até mostra com sutileza os caminhos que virão. De quê adianta? Como disse Neruda: "Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos."
O Rê sempre fala entre risos que nossa vida nunca foi fácil. Não foi, mas era cômico, sem as complicações que a vida traz. Os problemas aumentam, ou melhor, os problemas deixam de ser problemas para se tornarem incertezas. Se perdem de nós, então, nunca conseguimos resolvê-los. Com o tempo misturam-se ao nosso sangue, saem, coagulam impedindo que respiremos, dando a sensação de que algo está errado, mas não pode ser visto, tocado ou eliminado. Repito uma quase-paráfrase de um post anterior: hoje acordei lúcida, não como se estivesse para morrer, mas como se nunca houvesse existido.

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