Donnerstag, Februar 28, 2008

A linha que se cruzou

- Alô?
A voz soou tão presente que tive de olhar para os lados para saber se ele não estava atrás de mim e, ao mesmo tempo, a mesma voz soou passado, do tipo distante. Do que era e estava voltando a ser.
Depois de tanto malogro literalmente comprado e inalado, pareceu-me que tinha restado ainda algo daquele ser humano. A surpresa veio no estado inteiro em que se encontrava e meus ouvidos que naquele instante estavam substituindo meus olhos - os mesmo olhos que resplandeciam no escuro - formava a última das imagens.
Foi então que a massa cinzenta mandou uma mensagem: " Eu lembro..." Tentando formar uma frase, porém constrangida. Pois, eu me lembro dos ematomas, o corpo sem banho, os cabelos multicolores e desgrenhados e a roupa que parecia ter vindo de alguma caridade. Lembro e não gosto. Dá piedade e a piedade é um sentimento muito doce para se afundar no meu estômago ácido e irônico.
A conversa telefônica estava fora de sintonia. Parecia mais uma linha que se cruzou e tentava desfazer a trombada. Os olhos percorriam o exterior da janela brilhante de sol, procurando algo a ser comentado e as mãos se retorciam no conflito da decisão para a resposta. As cordas vocais vacilavam e a língua conseqüentemente enrolou-se.
- Não posso ver-lhe, minha garganta dói.
Se pudesse dizer que simplesmente a misantropia estourara a sua conta nos últimos meses...Mas o problema maior era o outro lado conseguir decifrar nas entrelinhas que não havia abraço ou melhora que pudesse estapear Newton e quebrar a inércia e ócio.
- É a garganta que dói?
Foi quando entendi que tudo no mundo era dor, tão dolorido que só havia remédio e cura para dor e não para a inadaptação.

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