Dienstag, Mai 01, 2007

Náusea: o retrato da apatia

Antoine Roquentin, meia-idade, burguês. É em torno desse personagem que Sartre faz encarnar a profunda apatia. O Sr. Roquentin mora só em um hotel localizado em Bouville, cidade pequena na França. Faz o desjejum sozinho, almoça sozinho e janta sozinho. Tudo isso em Cafés espalhados pela cidade e ao som de "Some of these days", um jazz.
Roquentin narra o livro queixando-se incansavelmente de uma "náusea", que aparece sorrateiramente quando ele pára e analisa as pessoas e coisas à sua volta. O que fica subentendido é que essa "náusea" é produto de uma degradação emocional que ocorreu aos poucos, podemos ver no seguinte trecho: " Já não posso duvidar de que alguma coisa me aconteceu. Isso veio como uma doença, não como uma certeza comum, não como uma evidência. Instalou-se pouco a pouco, sorrateiramente: senti-me um pouco estranho, um pouco incômodo, e isso foi tudo. Uma vez no lugar, não mais se mexeu, ficou quieto e pude me persuadir de que não tinha nada, que era um alarme falso. E eis que agora a coisa se expande."
Ele passa horas na biblioteca na ânsia de ler todos os livros, mas também escreve, quer dizer, tenta escrever um livro de história sobre o Sr. de Rollebon. Devido a constante náusea somada às inúmeras reflexões existenciais, ele não consegue terminar o livro, desistindo de escrevê-lo. A biblioteca também é freqüentada pelo Autodidata, também homem de meia-idade que passa horas lendo e tem como diversão "alisar" rapazinhos mais novos.
Apesar da profunda indiferença com o mundo em si, Antoine ama Anny, uma antiga namorada um tanto excêntrica que vivia buscando "momentos perfeitos", como se as pessoas em determinada situação tivessem que interpretar quadros e figuras. No auge de sua debilidade, Anny culpava Antoine por estragar seus momentos perfeitos e afinal de contas, quem é apático não tem espiritualidade e nem ânimo para interpretar "momentos perfeitos", não tem a capacidade de delirar na própria imbecilidade. Pobre Anny...
Anny volta depois de alguns anos, querendo reencontrar Antoine. Depois de tanta apatia, tal fato desperta algum ânimo nele mas não por muito tempo. Quando se encontram, ela lhe explica a teoria dos momentos perfeitos e em seguida pede que Antoine se vá. Na despedida, ela o beija alegando que queria ter a lembrança de seus lábios. Inconformado, ele vai até a estação de trem para vê-la partir, como se quisesse ver sua desgraça se concretizar e se concretiza. Anny vai embora.
Em seus passeios pela pequena Bouville, vendo a paisagem, os humanos, a cor do céu e a natureza, ele concretiza a verossimilhança de todas as coisas existentes: " Todo ente nasce sem razão, se prolonga por fraqueza e morre por acaso." Outra máxima: " A existência é uma plenitude que o homem não pode abandonar." Concluindo que a existência não é ilusória mas apenas patética e relevante quando muito, incompreensível.
Quando Roquentin se prepara para partir para Paris, visita pela última vez a biblioteca e se depara com um infeliz episódio. O Autodidata é visto em situação suspeita com um rapazinho e em seguida surrado pelo corso da biblioteca que possuído pela revolta moral, sai distribuindo socos no Autodidata. E é nesse episódio que podemos ver a empatia e humanidade de Roquentin, pois ele pega o corso pelo pescoço para defender seu companheiro de leitura, ao qual mal dirigia a palavra e evitava encontrar. Mas o que é mais comovente, é Roquentin desprezar o ato pedófilo do Autodidata e compartilhar a desgraça alheia, pois a biblioteca era a vida do Autodidata.
Enfim, a hora da despedida chega e ele faz sua última refeição no Café que freqüentava. Se despede de sua amante, a dona do Café. Ele está partindo porque não lhe resta mais nada: " Sou livre: já não me resta nenhuma razão para viver, todas as que tentei já cederam e já não posso imaginar outras. Ainda sou bastante jovem, ainda tenho força bastante para recomeçar. Mas recomeçar o quê? Só agora compreendo o quanto, no auge de meus terrores, de minhas náuseas, tinha contado com Anny para me salvar. Meu passado está morto. O Sr. de Rollebon está morto, Anny só retornou para me tirar toda esperança. Estou sozinho nessa rua branca guarnecida de jardins. Sozinho e livre. Mas essa liberdade se assemelha um pouco à morte." E a atendente pergunta se ele não quer escutar pela última vez aquele jazz, Some of these days.
Apesar de velho, vesgo e comunista ( como diria um amigo meu), Sartre conseguiu sensibilidade o suficiente para criar um personagem mórbido, sozinho e cheio de dignidade que nos mostra que a existência é irreal, que as pessoas sempre têm que partir e que os momentos reflexivos são náuseas a nos queimar o esôfago.


A voz canta:

Some of these days
You'll miss me honey

Keine Kommentare: